Depois de remover os selos de verificação de usuários legado para priorizar o Twitter Blue, Elon Musk se viu em mais um problema: ao longo da última semana, o CEO da rede social de microblogs passou a distribuir – gratuitamente – diversos selos para artistas, influencers e usuários com mais de um milhão de seguidores.

O problema: o selo “gratuito” afirma em sua descrição que essas celebridades pagaram pelo Twitter Blue e, bem, todos eles negaram qualquer assinatura. Alguns, inclusive, ameaçaram processar a rede social ao publicar seus “desmentidos” em seus perfis.

“Para os curiosos, eu não assinei o Twitter Blue. Eu não dei a ninguém o número do meu celular. Que lugar triste, sujo isso aqui virou.” – Neil Gaiman, escritor

“A minha conta no Twitter diz que eu assinei o Twitter Blue. Eu não assinei nada. A minha conta no Twitter diz que eu assinei o Twitter Blue. Eu não assinei nada.” – Stephen King, escritor

“Não é não, e não assinei não.” – Tim Schafer, designer de jogos

Ao longo do final de semana, diversos usuários com conhecimentos em direito digital afirmaram que a situação mostra um processo atrapalhado conduzido por Elon Musk, que poderia lhe acabar saindo “mais caro que a encomenda”. Alguns apontavam causa judicial para “difamação de caráter”, argumentando que a rede, ao afirmar que as celebridades teriam “assinado” o Twitter Blue, poderia criar uma espécie de “endosso” da plataforma para captar mais clientes, além de ser um caso de propaganda enganosa, já que as celebridades negam as transações.

Conversando com o TecMasters, o especialista em direito digital e membro da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, Alexander Coelho, disse que não há caso a ser visto na justiça sobre esse assunto, haja vista que o Twitter é uma empresa privada e, tal qual sua natureza, pode trabalhar com seus recursos próprios – como é o caso do Twitter Blue e seus benefícios – como bem entender.

“Não existe nenhuma implicação jurídica. O Twitter é uma empresa privada, responsável pela sua própria política de uso”, disse o advogado. “[A empresa] pode estender a verificação de forma gratuita para qualquer usuário que desejar, foi exatamente o que a empresa fez com o jogador [de basquete] LeBron James, manteve o selo de verificado de forma gratuita”.

Discorda da opinião dele a também especialista Julyana Neiverth, do escritório Salamacha Advocacia, e acreditada pela EXIN (empresa holandesa que emite certificados em TI). Para ela, por mais que os recursos sejam de propriedade de uma empresa, a partir do momento em que há um parâmetro estabelecido para o uso deles, qualquer mudança na política tem que ser comunicada – o que não foi o caso com Elon Musk e o Twitter Blue:

“É necessário esclarecer que o selo azul – antes de Elon Musk adquirir o Twitter – era uma forma de reconhecimento de ‘relevância’ dos perfis, um status de prestígio, devido à pessoa ter várias interações, seguidores, compartilhamentos e afins”, explicou. “A justificativa adotada pelo CEO para a mudança dos critérios de concessão do benefício foi a de tentar tornar a ferramenta mais acessível e igualitária, de modo que qualquer pessoa poderia se tornar ‘relevante’ na rede social mediante o pagamento de uma pequena taxa, além de contribuir para a rentabilização da rede social”.

“No entanto” – continuou Neiberth – “ao alterar os critérios necessários para que um usuário se enquadre na obtenção do selo azul de verificação, ou seja, não mais apenas por critérios de relevância estabelecidos para o uso da rede social e sim por critérios monetários com a aquisição da rede e expansão do Twitter Blue, o fato gerou algumas insatisfações”.

Elon Musk, CEO do Twitter

Elon Musk, CEO do Twitter (Imagem: Ministério Das Comunicações/CC BY 2.0/Wikimedia Commons)

Ok, mas Elon Musk ou o Twitter podem ser processados?

Segundo Julyana, “no aspecto jurídico, as redes sociais funcionam como um ‘contrato de adesão’ – instrumentos que não permitem a negociação de seus termos para utilização daquele serviço ou aquisição daquele produto. Sendo assim, os indivíduos ficam sujeitos às suas regras na modalidade estabelecida por aquele fornecedor”.

“Em outras palavras, a cada vez que ocorre uma alteração das normas de funcionamento de um contrato, é necessário informar de forma clara e transparente os usuários sobre estas mudanças, coletando novamente seu aceite. Na ausência de aceitação dos usuários, o serviço pode ser interrompido ou limitado, por exemplo”, ela conta.

“Qualquer ampliação automática de obrigações dos usuários sem que estes tenham dado sua concordância, como o caso da solicitação automática de um pagamento, estaria aberta a discussão e anulabilidade.” – Julyana Neiverth, advogada

Em mais um ponto de discordância, Coelho afirmou: “não vejo nenhuma implicação na esfera judicial. A utilização das redes sociais está diretamente ligada a direitos como a liberdade de comunicação e de livre pensamento enquanto garantias constitucionais previstas no artigo 5º, incisos IV e IX”.

Ele complementa: “no mesmo sentido, está o Marco Civil da Internet que, em seu artigo 3º, estabelece como princípios a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento. Mais ainda, o mesmo Marco Civil traz o acesso à internet como essencial ao exercício da cidadania e assegura aos usuários o direito à clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet, conforme o artigo 7º, caput e incisos XI e XII, o que não me parece ser o caso, uma vez que o Twitter fez apenas uma alteração na sua política de uso”.

Selo de verificação do Twitter Blue

Selo de verificação de autenticidade de um perfil no Twitter (Imagem: pnm-stock/Shutterstock)

No que ambos concordam é que, para se configurar um crime, especificamente, os reclamantes – famosos ou não – teriam que atestar a algum tipo de dano cuja responsabilidade possa ser atribuída ao “selo gratuito do Twitter Blue” que ganharam. Por “dano”, evidentemente, não se fala apenas de dinheiro, mas também da reputação.

Em outras palavras, embora alguns advogados – ironicamente, pelo próprio Twitter – afirmem ser um caso de dano ao caráter das pessoas, apenas se elas tivessem alguma perda em relação a isso é que poderia ser configurada uma ação criminosa.

“A questão permeia em aspectos subjetivos que dependem, entre outros elementos, da comprovação de danos à reputação das pessoas que utilizam a rede social e que estariam sendo ‘publicizadas’ como pagantes do Twitter Blue”, explicou Julyana Neiverth. “Logo, pode-se afirmar que na hipótese de que a propagação de fatos inverídicos em redes sociais sobre determinada pessoa gere prejuízos, danos, ofensa à sua reputação, se estaria, sim, diante da prática de um crime punível”.

Ela mesma, no entanto, ressalta que isso tudo dependeria daquela expressão que ficou famosa nos últimos anos: “trânsito em julgado”. Em outras palavras, não adianta afirmar a execução de um crime antes que uma situação tenha sido devidamente apurada, investigada e julgada por especialistas do direito.

Ok, mas de que isso vale para o Brasil?

Elon Musk não é brasileiro. Nem tampouco ele vive no Brasil. Logo, supondo que tudo isso fosse à frente, como seria para alguém daqui processar o bilionário e sua rede social? Em casos de figuras internacionais, segundo nos explicou Neiverth, o processo é mais longo, mais burocrático mas, antes de tudo, possível:

“O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 75 que a pessoa jurídica estrangeira é representada em juízo pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. O Twitter possui uma sede em São Paulo, então é possível, sim, movimentar ações contra a empresa sem sair do território nacional. Como mencionei, o contrato para utilização de uma rede social se assemelha a um Contrato de Adesão, incidindo sobre eles todas os direitos e garantias previstos no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil, na Constituição Federal, no Marco Civil da Internet, na Lei Geral de Proteção de Dados, entre outros.”

Em outras palavras: cadeia para Musk? Difícil, praticamente impossível. Multa para Musk? Sim, e o Twitter daqui poderia ter que pagar essa conta.

O mais interessante é que, segundo a advogada, Musk poderia ter evitado toda essa dor de cabeça se fizesse exatamente aquilo que a internet inteira se dispôs a aconselhar: monetizar o Twitter Blue sem impactar os usuários legado e, em sua apresentação, não criar distinções entre usuários pagantes e verificados antigos.

“Uma forma simples de mitigar os riscos e insatisfações teria sido regulamentar de forma não excludente e, sim, ampliativa os requisitos para aquisição do selo azul, sem limitá-lo apenas à aquisição monetária. Bem como, o ideal seria não mencionar publicamente se o usuário é pagante ou não, e apenas se possui ou não o selo azul.”

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