Um pedacinho do Sol voltou com a sonda solar Parker, a Nasa anunciou. Pela primeira vez na história, uma nave espacial tocou o Sol. A sonda solar Parker voou pela atmosfera superior do Sol, a corona, e retirou amostras de partículas e campos magnéticos. O material será trazido de volta à Terra e estudado.

O sucesso da sonda foi revelado no dia 14 de dezembro em Nova Orleans, na Reunião de Inverno da União de Geofísica Americana 2021. Os resultados foram publicados na Physical Review Letters e farão parte da revista científica Astrophysical Journal. A expectativa é entender ainda mais como o sistema solar é influenciado por seu líder e as consequências disto para a humanidade.

“A Parker ter tocado o Sol é um momento monumental para a ciência solar e uma conquista admirável”, afirmou Thomas Zurbuchen, diretor associado da Diretoria de Missão Científica da Nasa em Washington. “Essa conquista traz novos insights para a evolução do Sol e seu impacto no sistema solar, e aprendemos com a nossa própria estrela mais sobre o resto do universo”.

A Parker estuda regiões do Sol que nenhuma nave pode ver antes, como o vento solar, o fluxo de partículas do Sol que pode nos influenciar na Terra. Em 2019, a Parker descobriu que estruturas magnéticas em zigue-zague no vento solar, chamadas de “switchbacks” são muito frequentes próximo ao Sol. Falta descobrir como foram formadas. Agora, a sonda já descobriu o lugar em que surgiram: a superfície solar.

Voar tão perto do Sol, nunca imaginamos antes, diz cientista da Nasa

O primeiro voo pela corona, que espera-se seja seguido por muitos, continua a trazer novos dados sobre os fenômenos. “Voar tão perto do Sol faz com que a sonda consiga identificar condições na camada dominada por magnetismo na atmosfera solar, a corona, que nunca imaginamos antes”, afirma Nour Raouafi, cientista do projeto no Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins. “Conseguimos ver evidências da nave presente na corona nos dados do campo magnético, do vento solar e visualmente. É possível ver a nave voando através das estruturas da corona que podem ser observadas durante um eclipse solar total”.

A Parker foi lançada em 2018 e três anos depois do lançamento, chegou ao seu destino. Ao contrário da Terra, o Sol não tem uma superfície sólida. Possui, no entanto, uma atmosfera superaquecida, feita de material ligado ao Sol pela gravidade e forças magnéticas. Quando o calor aumentado e a pressão empurram esse material para longe do Sol, ele chega a um ponto onde a gravidade e os campos magnéticos são muito fracos para contê-lo.

Este ponto, conhecido como superfície crítica Alfvén, demarca o fim da atmosfera do Sol e o começo do vento solar. Materiais solares com a energia para atravessar esse limite tornam-se vento, que arrastam o campo magnético do Sol com eles para o Sistema Solar, para Terra e além. Mais importante ainda, além da superfície crítica Alfvén, o vento solar vai tão rápido que as ondas dentro dele não conseguem voltar para o Sol – desconectando-se.

Limites do Sol sendo cruzados

Até agora, os pesquisadores não sabiam exatamente onde a superfície crítica Alfvén ficava. Com as imagens da corona, estimativas calculam entre 10 a 20 radii solares da superfície do Sol, cerca de 6,9 a 13,8 milhões de quilômetros. A espiral da trajetória da Parker trouxe-a mais próximo do Sol e durante as últimas passagens, a nave esteve consistentemente abaixo de 20 radii (91% da distância da Terra do Sol), colocando-a em posição de cruzar o limite, de acordo com as estimativas.

Em 28 de abril de 2021, durante seu voo pelo Sol, a Parker encontrou condições específicas magnéticas e partículas em 18,8 radii (13 milhões de quilômetros) sobre a superfície solar e os cientistas souberam que havia cruzado a superfície crítica de Alfvén pela primeira vez e finalmente entrado na atmosfera do Sol.

“Sabíamos que, cedo ou tarde, encontraríamos a corona”, segundo Justin Kasper, autor principal do estudo sobre a conquista e CTO na BWX e professor da Universidade de Michigan. “Ainda assim, é incrível que já conseguimos”.

Durante o voo, a sonda passou pela corona diversas vezes. Isto provou que a superfície crítica de Alfvén não tem uma forma previsível esférica. Na verdade, tem picos e vales que enrugam a superfície. Descobrir essas alturas e sua relação com atividade solar pode ajudar cientistas a investigar como os eventos no Sol afetam a atmosfera e o vento.

Quando a Parker atingiu abaixo de 15 radii (10,4 milhões de quilômetros) da superfície do Sol, encontrou pseudo-ondas. São estruturas gigantes que crescem acima da superfície do Sol e podem ser vistas da Terra durante eclipses.

Sempre cada vez mais perto do Sol

Passar pela pseudo-onda foi como voar no olho de uma tempestade, afirmou a Nasa. Lá dentro, as condições ficavam mais serenas, as partículas diminuiam a velocidade e os “switchbacks” eram reduzidos, uma grande mudança da barreira enorme de partículas encontradas no vento solar.

Pela primeira vez, a nave se encontrou em uma região onde os campos magnéticos eram fortes o suficiente para dominar o movimento das partículas. Essas condições são a prova definitiva de que foi ultrapassada a superfície crítica Alfvén e entrada na atmosfera do Sol, onde campos magnéticos formam o movimento de tudo na região.

A Parker continuará a chegar perto do Sol, até estar a 8,8 radii (14,1 milhões de quilômetros) da superfície. Os próximos voos, em janeiro de 2022, chegarão ainda mais perto.

“Estou ansiosa para ver o que Parker encontrará com seus voos pela corona nos próximos anos”, afirmou Nicola Fox, diretora da divisão de Heliofísica na Nasa. “A oportunidade de novas descobertas é sem limites”.

O tamanho da corona também foi determinado por atividade solar. Quando o Sol acelera seu ciclo de 11 anos, o tamanho externo da corona expande, e a Parker tem ainda mais chance de ficar ali por mais tempo.

A origem dos “switchbacks” ajudará a esclarecer outro mistério, a superfície visível do Sol, a fotosfera. Quando chega à Terra, 150 milhões de quilômetros depois, o vento solar traz partículas e campos magnéticos marcantes. Mas quando escapa do Sol, o vento é fraco. Nos anos 90, a missão espacial Ulysses voou perto dos pólos do Sol e descobriu formas bizarras em S nas linhas magnéticas dos ventos solares, que desviavam partículas em zigue-zague ao escaparem do Sol. Por décadas, os cientistas acharam que os “switchbacks” ocasionais eram apenas formas estranhas presentes apenas nas regiões polares do Sol.

Fotosfera vem à luz

Em 2019, a Parker descobriu que os “switchbacks” não eram raros, mas comuns. Dados mostraram que eles ocorrem em pedaços e têm uma alta porcentagem de hélio, que se sabe vir da fotosfera, mais do que outros elementos. Sua origem ficou mais clara quando os cientistas observaram que se alinhavam com túneis magnéticos que emergem da fotosfera entre estruturas de células de convecção chamadas supergrânulos.

Os túneis magnéticos podem ser a origem do vento solar. Ele pode ser rápido ou lento e os túneis podem ser onde as partículas do vento rápido se originam. “A estrutura das regiões parece outra na base da corona”, disse Stuart Bale, professor da Universidade of California, Berkeley, e autor do estudo da Nasa. “Deste modo, temos uma origem do vento solar”.

O estudo dos dados da Parker pela Nasa ajudará a entender eventos extremos no clima espacial que interrompem telecomunicações e danificam satélites próximos à Terra. A Parker é parte do programa Vivendo com uma Estrela para explorar aspectos da relação do Sol com a Terra que afetam a vida e a sociedade.

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