No mês de setembro de 2023, fez dois anos que o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, promulgou a adoção do Bitcoin como moeda legal no país. A proposta revolucionária levou apenas três dias para ser aprovada, tendo em vista o vasto apoio parlamentar do presidente.

O que El Salvador pretendia com adoção do Bitcoin?

A proposta visava, no âmbito econômico, uma maior inclusão financeira, já que 70% da população salvadorenha não possuía sequer conta bancária. Além disso, a implementação da criptomoeda como moeda nacional seria uma alternativa para as exportações, bem como para atrair investimentos estrangeiros.

No entanto, o projeto não tinha uma finalidade exclusivamente econômica. A rápida implementação da proposta e a ausência de análise pública prévia revelam que o ato em questão possuía um claro objetivo midiático, visando fazer com que um dos menores países da América Latina se tornasse referência mundial no aspecto tecnológico e econômico.

Em primeira análise, pode-se concluir que o objetivo midiático foi alcançado, uma vez que o país figura nas notícias e na história como o primeiro a adotar o Bitcoin como moeda legal nacional, com reflexos de pertencimento da população local como expoente no assunto.

Contudo, será que esse sentimento de orgulho patriótico encontra reflexos igualmente positivos no âmbito econômico?

A lei tinha como objetivo uma maior inclusão da população nos modelos de finanças mais modernas. Para tanto, o governo forneceu a cada cidadão salvadorenho uma carteira digital em que continha o valor correspondente a 30 dólares em bitcoin. Além disso, o país adquiriu uma reserva significativa da moeda digital, pelo qual Bukele se tornou um dos nomes mais influentes do mercado. Até mesmo títulos da dívida pública passaram a ser emitidos na forma da criptomoeda.

A adoção, por El Salvador, do Bitcoin como moeda legal do país

Imagem: Unsplash

Ocorre que, apesar do alto investimento e esforço do governo salvadorenho, a moeda digital ainda não foi amplamente adotada pela população local. A despeito da moeda ser bastante conhecida, o entendimento quanto ao seu uso ainda é muito escasso, já que a população em geral enxerga muita dificuldade no processo de baixar uma carteira cripto, configurar a conta, guardar as senhas, dentre outros trâmites necessários para obter o token digital.

Uma boa comparação é o Pix, adotado no Brasil em 2020, o qual alcançou um rápido e efetivo sucesso em razão da facilidade da sua utilização. O projeto brasileiro, apesar do forte aspecto tecnológico, serviu como facilitador para as transferências de capital, ao contrário da criptomoeda, que, como se tem notado, ainda traz consigo uma série de ações complexas e necessárias para sua utilização.

Outro ponto negativo na implementação do Bitcoin em El Salvador foi a volatilidade da moeda. Segundo o agregador CoinMarketCap, nos últimos dois anos o token digital desvalorizou cerca de 42%, enquanto o dólar, moeda predominante no país, apresenta números ínfimos de desvalorização no mesmo período.

Adoção do Bitcoin atrai turistas e atenção de grandes empresas de tecnologia para El Salvador

Todavia, mesmo que a aderência à inovação não tenha atingido o número esperado de usuários, seria injusto falar que a implementação não conferiu vantagem ao país latino-americano.

Apenas no primeiro semestre de 2022, houve um aumento de 82,8% no turismo de El Salvador, fazendo com que mais de um milhão de pessoas fossem visitá-lo. Dessa forma, El Salvador foi considerado o país com maior índice de recuperação de turismo após a pandemia do Covid-19. De fato, projetos como “Cidade Bitcoin” e “Praia Bitcoin”, em que cidades possuem uma economia circular que usa apenas a criptomoeda como moeda nacional, nutriram grande interesse de entusiastas, gerando o aumento no turismo. Nos dias atuais, cidades na África, Filipinas e Austrália também adotam esse mesmo tipo de economia, a fim de incentivar os viajantes.

Outro ponto positivo foi o significativo aumento de investimentos estrangeiros em razão da adoção da moeda digital. O caráter revolucionário da medida atraiu atenção e levou ao aporte de capital de empresas como Google e Binance, que enxergam com um olhar otimista a inovação implementada.

O Google, que tem se mostrado um grande apoiador da criptomoeda, firmou acordo com o governo de El Salvador para estabelecer uma entidade legal e o escritório do Google Cloud no país. E um acordo firmado com uma das maiores empresas de tecnologia da atualidade, sem dúvida, demonstra nítido sucesso da iniciativa em tão curto período.

El Salvador e a adoção do Bitcoin como moeda legal dois anos depois

Imagem: Randy Miramontez/Shutterstock.com

Diante disso, pode-se concluir que a medida adotada pelo governo salvadorenho de adotar o Bitcoin como moeda legal nacional, apesar da sua volatilidade financeira maior do que a do dólar ou mesmo não ter alcançado a inclusão financeira esperada, ainda sim teve ótimos objetivos alcançados, como o tão desejado crescimento econômico e exposição midiática a atrair olhares de grandes players estrangeiros para novos negócios.

De fato, no modesto contexto do país de El Salvador, a revolucionária proposta do presidente Bukele se revelou com um saldo positivo nesses primeiros dois anos e, mais importante, com uma projeção positiva para o futuro.

 

Direito ao esquecimento versus desindexação

Isabela Pompilio é responsável pela área de contencioso da unidade de Brasília de TozziniFreire Advogados, com larga experiência em atuação nos Tribunais Superiores. Atua em causas estratégicas há duas décadas e no acompanhamento de teses visando a formação de novos entendimentos jurisprudenciais em direito cível, internacional e digital.

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