Você deve ter ouvido, no último mês, uma música que viralizou na internet como uma colaboração entre os cantores Drake e The Weeknd. A música “Heart On My Sleeve”, em poucos dias, acumulou mais de 20 milhões de visualizações e reproduções em streamings ao redor do mundo.

Apenas um problema, ela não era real.

A música foi criada por um anônimo que atende pelo nome de “Ghostwriter” e usou réplicas geradas por IA para clonar os vocais de ambos os artistas.

Para ficar claro, a inteligência artificial não reproduziu falas ou trechos de músicas existentes performadas pelos músicos, mas a própria voz foi “criada” e aplicada a uma música original, composta pela IA, o que confundiu ouvintes que realmente acreditaram se tratar de um novo lançamento dos reais artistas.

Não houve qualquer manifestação pelos detentores das vozes, mas seus editores musicais, Universal Music Group, divulgaram um comunicado que rotulou a música como uma violação de direitos autorais.

Diante dessa situação inusitada, surgem algumas dúvidas: é possível afirmar que estamos diante de uma violação de direitos autorais? Que tipo de direitos teriam os artistas?

Obras geradas por inteligência artificial violam direitos autorais?

Imagem: Shutterstock.com

Esse é um campo jurídico de estudo ainda bastante obscuro, uma vez que não existem casos efetivamente julgados sobre o tema, considerando que a própria tecnologia que os criou é muito recente. Além disso, há uma dificuldade em saber se essas ferramentas podem definitivamente democratizar o acesso a plataformas de produção musical, ou se elas simplesmente se apoderam de um trabalho intelectual humano para gerar um produto “inspirado” em algo original.

Algumas músicas, por exemplo, podem ser escritas por pessoas reais e gravadas com vocais humanos reais, antes de serem substituídas por imitações de IA de grandes artistas usando ferramentas que aprendem com a música existente e produzem um efeito semelhante. Situação diferente de um criador humano que faz passar sua própria música como se fosse executada por um artista famoso, promove-a comercialmente usando o nome ou imagem desse cantor.

No caso específico da música “Heart On My Sleeve”, nem Drake, nem The Weeknd a escreveram ou cantaram. Eles não tiveram participação na criação e não tem nenhuma reivindicação de composição ou desempenho. Tudo sobre a canção foi criado por uma máquina sem nenhuma contribuição intencional dos artistas.

imagem com um chip conectado e, no centro, a imagem de um cérebro feito de fios de rede, representando uma inteligência artificial

Imagem: Den Rise/Shutterstock.com

Na maior parte do mundo, incluindo o Brasil, ainda não existe consenso sobre o aspecto dos direitos autorais e as obras geradas por IAs.

Há quem defenda a possibilidade de as IAs serem autoras das obras e, por outro lado, que autoria seja concedida à pessoa que faz os arranjos necessários para a criação da obra (programadores ou empresas que possuem os direitos autorais do software). Há ainda, quem aponte que os usuários, responsáveis por indicar as características particulares da obra, seriam os autores ou que as obras produzidas por IA sejam de domínio público.

Embora as possibilidades sejam enormes e evolutivas, é difícil imaginar toda a extensão do potencial da IA para impactar a criação, o consumo e os negócios da música e da arte no que promete ser uma era transformadora.

Direitos autorais no Brasil

Hipoteticamente se considerássemos que “Heart On My Sleeve” tivesse sido produzida em nosso país, para além das questões de direitos autorais, o que existe sob o enfoque da lei brasileira é a violação aos direitos da personalidade dos músicos, haja vista a indevida exploração de características ou atributos deles.

Obras geradas por inteligência artificial violam direitos autorais?

Imagem: David Hwang, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

E, apesar dos desafios que esses novos tempos nos propõem, não há dúvidas que a IA fará parte do nosso cotidiano. As ferramentas disponibilizadas são de grande utilidade e certamente revolucionarão — como, de fato, já estão revolucionando — o mercado de trabalho e a maneira como fazemos nossas tarefas diárias.

São legítimas as preocupações que essas novas tecnologias trazem consigo, essas preocupações, no entanto, devem ser debatidas para então encontrarmos as melhores soluções, que compreendam a proteção de direitos e, ao mesmo tempo, o estímulo à inovação.

 

Direito ao esquecimento versus desindexação

Isabela Pompilio é responsável pela área de contencioso da unidade de Brasília de TozziniFreire Advogados, com larga experiência em atuação nos Tribunais Superiores. Atua em causas estratégicas há duas décadas e no acompanhamento de teses visando a formação de novos entendimentos jurisprudenciais em direito cível, internacional e digital.

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