O uso do TikTok como ferramenta de busca por conteúdo noticioso vem aumentando e, com ele, a abrangência da desinformação: de acordo com um levantamento conduzido pela empresa de segurança NewsGuard, as buscas feitas no aplicativo de vídeos curtos acabam recomendando material cheio de desinformação – ou “fake news”, no termo popular – cerca de 20% do tempo.

De acordo com o relatório divulgado, a NewsGuard analisou 540 vídeos, dos quais 105 foram classificados por ela como “conteúdo contendo informações falsas”. O grupo desempenhou a pesquisa ao buscar, no mecanismo do próprio TikTok, por vídeos que tratassem de assuntos de proeminência nos veículos de imprensa em setembro.

Montagem mostra capturas de vídeo no TikTok "ensinando" a fazer hidroxicloroquina caseira

Imagem: NewsGuard/Reproduçaão

O problema encontrado é o de que, não apenas as informações são falsas, elas também tratam de assuntos de interesse público: o comunicado do relatório abre com a descrição de um vídeo de uma mulher no Havaí recomendando a hidroxicloroquina como um “remédio que pode curar qualquer coisa”, em referência à medicação contra a malária que foi o centro das atenções no início da pandemia. Vários órgãos de saúde de vários países condenaram informações de que ela trataria a COVID-19, o que não é verdade.

Segundo o grupo NewsGuard, esse vídeo foi a segunda sugestão feita pelo algoritmo do TikTok quando, na busca do app, foi digitado o termo “hidroxicloroquina”. Mais além, de 20 vídeos sugeridos no tema, ao menos cinco eram “receitas caseiras” do remédio, ou como fabricar uma versão dele com itens de casa. A saber, a hidroxicloroquina é efetivamente produzida em laboratório, por um processo amplamente controlado e com o objetivo de tratar de uma doença específica – a malária.

“Apesar da ‘hidroxi-chef’ no vídeo nunca falar a palavra ‘COVID’, talvez porque isso atrairia a atenção dos moderadores de conteúdo do TikTok, a promessa que ela fazia no vídeo, de é [a hidroxicloroquina] pode curar ‘tudo o que tem rolado por aí’, ‘pode curar tudo’ é bem clara, e de fato, potencialmente mais perigosa pelo fato de prometer que ela pode curar ‘qualquer coisa’, não só ‘COVID’.”

A situação se torna problemática quando executivos do próprio Google reconheceram recentemente que o TikTok vem se tornando o mecanismo de busca padrão da geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2005, na transição da era digital) – efetivamente atrapalhando a hegemonia do próprio Google no campo de informações da internet em todos os aspectos: Busca, YouTube, Maps, Notícias…o TikTok conta com algum resultado em qualquer um destes pilares.

A metodologia aplicada pelo NewsGuard encontrou discrepâncias na veracidade de informações pela busca do TikTok em vários temas: além da COVID-19, vídeos com informações falsas foram sugeridos pela plataforma em pilares como a eleição presidencial dos Estados Unidos, em 2020 (e a tentativa de invasão ao Capitólio em 6 de janeiro daquele ano); aborto; fatos históricos de interesse público (guerras como a da Ucrânia, descobertas arqueológicas e afins) e até mesmo “novidades” sobre o espaço que ou não eram novidade, ou não correspondiam à realidade dos fatos.

Montagem feita pela NewsGuard mostra capturas de diversos vídeos do TikTok espalhando fake news sobre a guerra da Ucrânia

Imagem: NewsGuard/Reprodução

O grupo afirma que conduziu as buscas sempre usando contas novas, recentemente criadas, a fim de que os resultados não fossem “manchados” pela atividade recente de usuários. O TikTok emprega inteligência artificial para “aprender” o comportamento e temas mais assistidos por uma conta e, depois de um tempo, começa a recomendar conteúdos voltados a essas preferências.

“Por exemplo: quando um usuário busca pelo termo ‘aquecimento global’, o TikTok sugere buscas complementares como ‘aquecimento global refutado’ ou ‘aquecimento global não existe’. Para um usuário que busque ‘vacina da COVID’, o app sugere coisas como ‘lesões causadas pela vacina da COVID’, ‘a verdade sobre a vacina da COVID’, ‘exposed da vacina da COVID’, ou então relaciona termos como ‘vacina da COVID’ e ‘HIV’. Uma busca por ‘6 de janeiro’ leva a vídeos que atribuem a tentativa de invasão a grupos antifascistas.”

Comparativamente, a busca no Google trazia sugestões mais práticas: “vacina da COVID”, por exemplo, rendeu sugestões como “qual a melhor vacina”, descrições dos tipos de vacina (mRNA, recombinante etc.) ou informações sobre postos que estivessem administrando o medicamento.

Em um teste rápido, o TecMasters também conseguiu reproduzir a tendência, ainda que em bem menor grau que o estudo da NewsGuard e com termos mais precisos: procuramos, por exemplo, por “IPEC”, e das 10 primeiras sugestões da busca do TikTok, duas faziam menção ao atual presidente, Jair Bolsonaro, estando à frente na corrida pelas eleições presidenciais em outubro, o que não é verdade. De acordo com a recente pesquisa conduzida pelo IPEC (Instituto de Pesquisas e Cidadania), Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato da oposição à atual gestão, está liderando as intenções de voto, não Bolsonaro.

Na busca por “vacina”, a quarta sugestão feita pelo Tiktok veio como “vacina não é segura”, embora também fosse a única sugestão mais problemática – o que sugere que um regionalismo possa também influenciar as sugestões feitas pelo aplicativo (as fake news sobre as vacinas tiveram uma incidência menor no Brasil que nos EUA). Paralelamente, nossas buscas por “ivermectina” ou “hidroxicloroquina” falavam mais sobre a natureza dos remédios e seus efeitos colaterais, sem alarmes.

Captura de imagem mostra ferramenta de busca no TikTok sugerindo termos contendo desinformação sobre a vacina da COVID-19

Uma busca rápida no TikTok rende, no Brasil, sugestões de conteúdo desinformativo sobre temas de interesse público, como a vacina da COVID-19 (Captura de Imagem: Rafael Arbulu/TecMasters)

TikTok responde conclusões da pesquisa (mas não muito)

De acordo com a NewsGuard, várias perguntas foram enviadas ao TikTok pela empresa, especificamente questionando a rede social sobre o funcionamento do algoritmo que sugere termos dentro do seu mecanismo de busca.

A resposta obtida foi, segundo a própria NewsGuard, “um comentário generalista de porta-voz”, onde a rede social ressaltou seus esforços em suprimir conteúdo de desinformação, além de números afirmados por ela em seu mais recente relatório de transparência (“Community Guidelines Enforcement Report” do primeiro trimestre de 2022):

“Os termos de conduta e comunidade do TikTok deixam claro que não toleramos desinformação danosa, incluindo a de natureza médica, e nós vamos removê-las de nossa plataforma. Nós firmamos parceria com vozes de alta credibilidade para elevar o conteúdo autoritativo em tópicos pertinentes à saúde pública, além de acordos com verificadores de fatos independentes que nos ajudam a avaliar a precisão do conteúdo.

De acordo com o nosso relatório publicamente disponibilizado, o TikTok removeu mais de 102 milhões de vídeos que estavam em violação dos nossos termos de conduta. Menos de 1% destes foram removidos por ‘violar as normas de autenticidade e integridade’ — as quais, segundo nossos termos, incluem ‘desinformação danosa’, definida como ‘desinformação que causa dano significativo a indivíduos, comunidades ou o público em geral independente da intenção’.”

Entretanto, perguntas mais diretas ficaram sem resposta. Com destaque a questionamentos sobre o motivo pelo qual o TikTok sugere termos de busca contendo desinformação a seus usuários, vídeos previamente denunciados que ainda estão no ar na plataforma (apesar de promessas de removê-los feitas anteriormente) ou então a adição de etiquetas ou classificações que indiquem que tais vídeos trazem conteúdo questionável, como a rede faz com temas majoritários como COVID-19 ou eleições.

O relatório da NewsGuard já está disponível pela página oficial da empresa.

Via NewsGuard Misinformation Monitor | Techcrunch | G1

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