Na minha época de produção de revistas de jogos (é, eu já estou meio rodado), tínhamos uma expressão nas redações – “jogo Sessão da Tarde”. Resumidamente, aquele jogo que era bem basiquinho, mas que servia bem para nos tirar das obrigações do trabalho e jogar apenas pelo prazer de jogar. Gungrave G.O.R.E, pensei, seria a minha Sessão da Tarde.

Errei feio. “Errei rude”. Quando a Prime Matter (publisher) e o estúdio IGGYMOB (desenvolvimento) nos enviaram o código do jogo, rapidamente me lembrei das horas dedicadas ao Gungrave Overdose de 2002: descompromissadas, só ligar o console e apertar o gatilho milhares de vezes, contra vários inimigos. Gungrave G.O.R.E mantém essa mesma premissa, mas lamentavelmente, alguma coisa se perdeu.

Gungrave G.O.R.E, o review

Enredo

Não tem muito o que dizer de um jogo como esse no que tange à história: o pano de fundo aqui é uma continuação direta de Gungrave VR e Gungrave VR UN. Você vai ser perdoado se não conhecer nenhum deles: ambos foram muito bem recebidos pela crítica e público, mas considerando a pegada em realidade virtual de ambos, é natural que seu público seja de um nicho mais fechado. Felizmente, um vídeo recapitulando as produções anteriores elimina a necessidade de você ter jogado algum deles para entender os eventos deste título.

Essencialmente, você assume o controle de Beyond The Grave – ou apenas “Grave” para os parceiros. O nome não vem à toa: outrora chamado Brandon Heat, Grave morreu há 15 anos e reviveu como o personagem que você opera.

Uma droga chamada SEED, que movimentou a narrativa dos jogos em VR anteriores, sobreviveu à destruição e agora é vendida pelo clã Raven e seus quatro chefões. Dada a capacidade da droga de transformar seus usuários em monstros vorazes, cabe a Grave, junto de um time formado por Mika, Dr. Aso e Quartz, derrubar a organização e seu comércio altamente nocivo.

Um enredo bem padronizado, até esperado, que infelizmente não se sobressai em nenhum aspecto, já que seus personagens também são igualmente efêmeros: o próprio Grave, por exemplo, tem, se muito, 30 palavras de diálogo no jogo inteiro – algo entre 12h e 15h horas, sem seu protagonista ter qualquer palavra, interação, apenas as vozes incessantes de seus companheiros em um comunicador, e os tiros e mortes do constante combate que o jogo lhe impõe.

O potencial já quase nulo de imersão é ainda mais derrubado quando você percebe alguns erros crassos de linguagem: Gungrave G.O.R.E tem áudio em japonês e inglês, com legendas em ambos, além do português brasileiro e outros idiomas. Mas tanto no áudio como nas transcrições, erros ortográficos bem notáveis fazem você parar e pensar: “eu li/ouvi isso mesmo?”

Não ajuda o fato de que a narrativa dentro do jogo progride apenas pelas cutscenes, com a jogabilidade limitando-se a interagir pela voz de Quartz usando várias frases recicladas.

Em.

Todos.

Os.

Níveis.

Sim, eu sei que “eles estão vindo de todos os lados”. Eu estou vendo eles virem de todos os lados. Inclusive, estou atirando para todos os lados, enquanto você diz que eles continuam, veja só, vindo de todos os lados. Sério, não tem mais lado para eu atirar, nem inimigos para sair, e você continua falando sobre “os lados” de uma área na qual eu já tenho um pé na saída.

Além de não ter um desenvolvimento minimamente interessante de personagens, a rasa interação vai causar mais irritação que as interrupções de Navi e Link (The Legend of Zelda) ou os pedidos de socorro de Ashley (Resident Evil 4).

Imagem de destaque do jogo Gungrave G.O.R.E

Imagem: Prime Matter/Divulgação

Visual

A ambientação em Gungrave G.O.R.E é majoritariamente industrial – Scumland e as outras localidades são, aqui, cidades bem sujas, com esgotos abertos e monstros e robôs e prédios e becos e luzes de neon e favelas metálicas. A ideia do time de desenvolvimento foi a de criar um conjunto visual que apelasse à sensação de tensão supostamente constante, mas o tiro saiu pela culatra.

Simplesmente, é tudo muito igual, com alguns momentos claramente se resumindo a uma troca na paleta de cores: existe uma pequena variedade, mas mesmo essas transições são muito espaçadas, jogadas na cara sem muita elegância e dissipadas da mesma forma que vieram.

O mesmo vale para os modelos de personagens na tela: à exceção de Grave, todos os inimigos têm variações de paletas de cores que denunciam o tipo de ataque. Uma marombadona verde terá ataques de veneno, enquanto a mesma marombadona, só que azul, terá lasers e ataques de plasma. Apesar do volume de inimigos encarados ao mesmo tempo ser bem alto o tempo todo, o que, sendo justo, traz uma certa variedade momentânea, a coisa parece menos uma experiência de jogo interessante e mais uma coisa que simplesmente “aconteceu”.

À parte dos protagonistas e chefões – cujo design contou com consultoria de Ikumi “eu-conquistei-o-coração-do-mundo-na-E3-e-fiz-Ghostwire-Tokyo” Nakamura – é tudo meio…ok. Os chefões, aliás, são um “respiro” à mesmice: eles sim contam com um design mais trabalhado e movimentação mais distinta, efetivamente destoando da repetição chata de minutos antes.

O Gungrave original tinha uma estética mais voltada ao anime, com desenhos de Yasuhiro Nightow (o criador de Trigun), onde essa percepção visual fazia mais sentido. Na geração atual, nem tanto.

A fase dos esgotos tem cores mais vibrantes e variadas – cortesia da água suja e verde por onde Grave caminha e de algumas lesmas platinadas super desenvolvidas, que correspondem à primeira vez que vemos um inimigo que não é um humanóide quadradão com uma corrida esquisita.

Existe, porém, um pequeno charme em alguns cantos e vielas por onde você consegue parar por 30 segundos e apenas perceber como, de uma forma estranha, tudo combina. Até Grave, que é um invasor na região, parece estar bem à vontade. É um brilhantismo pequeno, mas que felizmente você consegue repetir quantas vezes quiser.

Imagem de destaque do jogo Gungrave G.O.R.E

Imagem: Prime Matter/Divulgação

Som

As mesmas falhas técnicas ocorridas nos gráficos também se repetem no som. Isso porque muito de Gungrave G.O.R.E se repete incessantemente: a repetição de modelos de inimigos se traduz nos sons produzidos por eles, então você ouvirá, a todo tempo, um ressoar de balas, mísseis e socos cortando o ar enquanto você…faz o mesmo.

Por um lado, isso ajuda a estabelecer a percepção sonora de um ambiente recheado de ação. Por outro, isso traz uma cacofonia de faixas incessantes que, por vezes, podem fazer com que você tire o headset da cabeça por puro desejo de ouvir alguma coisa mais “normal”.

Não que seja de todo problemático: a trilha sonora ajuda muito aqui, apostando em metais bem pesados e uma composição criativa vinda das mentes de Tetsuya Shibata (Devil May Cry; Final Fantasy XV) e Yoshino Aoki (Breath of Fire; Final Fantasy XV). Nesta parte, não há nada do que reclamar: toda a parte musical do jogo tem momentos de crescimento e redução que servem como um prenúncio ao que virá pela frente. E os efeitos dos menus também complementam essa percepção de “ação ininterrupta”.

Imagem de destaque do jogo Gungrave G.O.R.E

Imagem: Prime Matter/Divulgação

Gameplay

Aqui é o ponto onde Gungrave G.O.R.E mais acerta e mais erra. Ao longo de todas as fases da partida, você tem – desde o começo até o final – um objetivo claro: “chute bundas”. Sim, é sério: “kick their asses” – a expressão em inglês – é literalmente estampada na entrada de cada nível do jogo.

E essa ideia é permeada ao longo de toda a progressão: você avança por corredores estreitos que desembocam em pátios abertos, a todo tempo enfrentando dezenas, por vezes centenas, de inimigos ao mesmo tempo.

Para causar todo esse dano, Grave conta majoritariamente com suas duas pistolas gigantes: aqui, o sistema de combate fugiu do padrão convencional de jogos do gênero, apostando em um controle livre pelo analógico direito que, na tela, faz com que seu personagem atire no oponente que estiver mais perto da mira.

Há quem possa não gostar, há quem possa adorar. Pessoalmente, isso não é para mim, mas não é algo negativo ao jogo.

No caso de oponentes que consigam chegar mais perto, Grave tem seu caixão – sim, é sério – que pode ser usado para combos físicos ou ainda para refletir mísseis de inimigos distantes ou inacessíveis. Pode chorar, qualquer espadachim de qualquer RPG na história, mas derrubar um inimigo “com uma caixãozada nos córneos” é igualmente insano e charmoso.

Não que você vá ter muito trabalho: Grave tem um escudo que absorve praticamente todo e qualquer ataque inimigo, e você só começa a perder energia vital quando ele é esgotado. Mas acredite, serão raras as vezes em que isso vai acontecer.

Tudo isso pode ser melhorado por uma camada bem fina de RPG implementada aqui como uma pontuação que lhe confere a capacidade de comprar novas habilidades e melhorias – todas muito bem reproduzidas na tela.

Ok, se está tudo certo, então o que está errado?

Bom…tudo também. O jogo lhe dá tanta coisa, mas você nunca consegue efetivamente “curtir” os recursos: as fases são extremamente lineares, e rapidamente, você acaba percebendo o método que melhor funciona para a sua progressão e segue com ele, reduzindo todo o potencial de ação a meros lampejos de criatividade apenas quando você se sentir seguro.

Isso só muda em duas situações específicas: enfrentando chefões (que não estão em todas as fases já que muitas delas são, literalmente, sair do ponto A e chegar ao ponto B) ou se alguma fase específica forçar uma alteração por meio de uma escolha de design (vide a fase do trem, onde é fácil você morrer por não chegar em um certo lugar a tempo).

Contra os chefões, Gungrave G.O.R.E é o que ele deveria ser durante toda a partida: como quase todos têm ataques poderosos e grandes movimentos, você é obrigado a não contar tanto com seu escudo e apostar mais nas esquivas (o jogo tem um sistema de bullet time que desacelera os movimentos e permite tiros em câmera lenta) e posicionamento estratégico.

Nestas partes, o jogo lembra muito os primórdios de Devil May Cry com um mix de Darksiders. Diverte muito, mas dura bem pouco.

O problema é que esses momentos breves de bênção são curtos demais: cada fase tem em média 10 minutos – menos ainda se você souber o que está fazendo. Quando a coisa começa a pegar ritmo, ela acaba, dando lugar a uma progressão mais chata e processual: você derruba 350 inimigos em um pátio, apenas para descansar um pouquinho para que seu escudo volte e você avance. Repita isso duas ou três vezes por fase e você tem o jogo inteiro compreendido.

Imagem de destaque do jogo Gungrave G.O.R.E

Imagem: Prime Matter/Divulgação

Conclusão

Gungrave G.O.R.E é um jogo que tenta resumir o tradicionalismo detalhista das produções atuais, limitando-se apenas a jogar você no meio da ação – literalmente, o jogo lhe aponta uma direção e diz “corre atirando, ou atira correndo, mas atira”. Não há nada de errado nisso, até porque, em meio a produções tão intrincadas e cheias de detalhezinhos de gameplay, às vezes, só queremos uma coisa reduzida, para fazer o básico e curtir uma sessão rápida.

O problema: esse jogo é tão reducionista com o seu próprio potencial que, apesar de ter sido lançado em novembro de 2022, facilmente passaria por um título na caixa das ofertas de jogos usados em uma loja física lá em 2002. Olhando de uma forma aprofundada, você até enxerga imenso potencial, mas por causa dessa decisão de “simplificar demais”, tudo isso acaba se perdendo.

Infelizmente, esse candidato a “jogo Sessão da Tarde” é uma experiência que não compensa: a preços entre R$ 249,50 (PlayStation), R$ 292,45 (Xbox, mas ele está no Game Pass também) e R$ 292,00 (Steam), você vai acabar com a sensação de que comprou algo que não precisava. E tal qual um filme ruim que você ou perdeu tempo vendo, ou pagou caro no ingresso do cinema, isso fará de você uma pessoa mais chateada do que contente.

[REVIEW] Gungrave G.O.R.E tenta esconder potencial desperdiçado com gameplay simplista
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