O cinema coreano não pode ser visto pela mesma ótica que se espera de uma obra megalomaníaca de Hollywood – e Broker – Uma Nova Chance é a prova mais evidente disso. O novo filme do japonês Hirokazu Kore-eda traz um enredo familiar mais denso, mas ao contrário das longa-metragens ocidentais, esse k-drama é bem menos linear e exige uma atenção acima do normal para o espectador.

Isso é bom ou ruim? Depende: como narrativa, Broker passa a impressão de ser totalmente desconexo, cheio de pontas soltas e coisas que acontecem “do nada” e somem do mesmo jeito. “O diabo”, como diz a expressão, “está no detalhe”: quando você consegue estabelecer uma linha de raciocínio que acompanha o enredo do filme, tudo passa a se encaixar.

O filme conta uma história de tráfico de bebês, mas o faz sob a ótica de vários personagens: a mãe que o abandona (a cantora de k-pop e atriz Lee Ji-eun, mais conhecida como “IU”) mas que se arrepende e depois volta para buscá-lo, a dupla de vigaristas que atua como negociadores de bebês abandonados que recaem sob seus cuidados (Gang Dong-won e o premiado Song Kang-ho), a polícia que busca prendê-los, os mafiosos que querem comprar/pegar especificamente “aquele” bebê…

Resumir tudo isso é fácil: a mãe abandona o bebê, mas muda de ideia e volta para buscá-lo, apenas para descobrir que a dupla em questão já o tem negociado. Ao invés de seguir o dramalhão esperado de uma batalha para reaver sua cria, ela se une a eles, prometendo não lhes entregarem à polícia desde que ela participe da escolha da nova família da criança. Enquanto isso, todos fogem das autoridades por toda a Coréia do Sul. Obviamente vamos parar por aqui para evitarmos o terreno dos spoilers, mas você já entendeu o panorama.

O ponto de maior interesse em Broker reside na preocupação de explicar minuciosamente o passado de cada personagem essencial à trama – no caso da “família improvisada”, são pelo menos quatro personagens. E nisso, o cinema coreano é extremamente detalhista, explorando minuciosamente cada esquina da história de cada um.

Cena do filme sul-coreano "Broker - Uma Nova Chance"

Imagem: Diamond Films/Reprodução

E é nisso que o espectador menos acostumado se perde: não há necessariamente uma linearidade imposta. Existe o pano de fundo, sim, e o filme é cuidadoso em evitar saltos temporais desnecessários – resumidamente, existe um “começo-meio-fim” – mas pulverizado nisso são pequenos diálogos que contextualizam a ação de todos.

Nesses diálogos é que vem a chave: ao ler “tráfico de bebês”, você estaria perdoado se pensasse que Broker é um filme ultra pesado, soturno e com tons escuros – na verdade, é o completo oposto: na maior parte do tempo, o personagem de Kang-ho é um completo pateta (pense nele como o “tiozão” que quer encaixar piada em toda situação), enquanto Dong-won interpreta um jovem cujo bom mocismo mais lhe é inconveniente em situações onde uma maldosa malícia seria bem mais útil. Frente a tudo isso, IU parece ser a única “malandra”, que se fecha aos dois e inicialmente parece pensar apenas na grana, mas devagar, vai se abrindo.

Em suma: é um drama tipicamente coreano, mas há flertes bem óbvios com a comédia.

Cena do filme sul-coreano "Broker - Uma Nova Chance"

Imagem: Diamond Films/Reprodução

Tudo isso, vale citar, tem um termo técnico no cinema: “found family” é como um subgênero que une a comédia e o drama, apostando na ideia da formação de laços muito fortes entre pessoas improváveis de se encontrarem. E ao menos dentro do cinema coreano, é um filão que já foi explorado pelo próprio Kore-eda – quem assistiu Assunto de Família sabe do que estamos falando, mas de novo, vamos parar por aqui pois “spoilers”. Basta dizer apenas que as referências estão lá.

Engana-se, porém, quem pensa que Broker é “só um drama engraçado” ou uma “comédia com tema denso”. A graça da coisa está no fato de que ele não precisa ser nenhum dos dois, ou pode escolher ser os dois. O filme tem momentos de bastante dramatização, onde os temas mais passionais são explorados com maestria.

O desapego de uma mãe pretensamente vigarista aos poucos se desfazendo pelo próprio filho, e os tropeços da dupla de negociadores (“brokers”, como diz o título do filme) fazendo com que eles repensem estratégias por todo o percalço – incluindo até mesmo a possibilidade de abandonarem tudo para tentar viver a relação recém-estabelecida – todas essas variações fazem com que Broker consiga se sustentar pertencendo ao drama e à comédia leve, mas sem precisar se valer dos clichês que o Ocidente nos impôs.

Cena do filme sul-coreano "Broker - Uma Nova Chance"

Imagem: Diamond Films/Reprodução

O ritmo do filme é o ponto mais negativo, com Kore-eda abusando de situações que, na vida real, jamais aconteceriam – especialmente no papel das duas policiais: vividas respectivamente por Bae Doona e Lee Joo-young, as duas atrizes veteranas pareceram bem mal aproveitadas, com cenas sem sentido que, no arco geral, não fariam a menor diferença.

Na segunda metade do filme, outro ponto totalmente desnecessário foi uma tentativa de estabelecer a família do pai do bebê – este, já morto por razões que valeriam ser melhor exploradas, mas não são – tenta recuperar a criança “na marra”, empregando até mafiosos para o trabalho. Infelizmente, é a forma que Kore-eda encontrou de “amarrar” o desfecho de cada personagem em um só ponto…

…e mesmo nisso, ficou devendo um pouco: quando Broker acaba, fica aquela sensação de “ué”, comum a filmes que são cortados quando parecem estar em uma ascendente narrativa. E o fato de isso derivar de uma “encheção de linguiça” acaba tirando um pouco do charme da história.

Dos males, felizmente, esse é o menor: Broker – Uma Nova Chance fez sucesso quando foi exibido aos espectadores no Festival de Cannes em 2022, e promete ser mais um filme de sucesso ao crescente audiovisual asiático, que cada vez mais vem ganhando audiência com os doramas na TV e apps de streaming e, mais ainda, com filmes completos.

Definitivamente, é um filme que vale a pedida – mas vá de cabeça aberta: ele não segue a receita com a qual você provavelmente está habituado.

[Crítica] ‘Broker - Uma Nova Chance’ vê diretor apostar em receita antiga para entregar filme intenso
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