No âmbito dos processuais judiciais, o ato da citação processual pode ser compreendido como um instrumento de convocação do réu ao processo. É a partir desse momento, no qual a parte oficialmente passa a ter ciência de que há um processo judicial movido contra si, que é iniciado o prazo para defesa. Vale dizer que só a partir dessa formalidade que a ação judicial efetivamente avança e é considerada válida.

Citação por WhatsApp: um reflexo da pandemia?

Considerando as restrições impostas pela pandemia da Covid-19, limitando expressivamente a atuação dos oficiais de justiça e a circulação de pessoas nos próprios tribunais, o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp tornou-se um mecanismo de comunicação dos atos processuais, incluindo a citação. A partir de alguma movimentação processual, a pessoa era, então, cientificada pelo referido aplicativo, que é o mais utilizado no Brasil.

Citação via WhatsApp e redes sociais: qual é a validade em uma ação judicial?

Imagem: On The Back Of Camera/Shutterstock.com

Por tal motivo, o Conselho Nacional de Justiça publicou, no contexto da pandemia, a Resolução nº 354/2020 que, em seu artigo 8º, respaldou a utilização do aplicativo pelos tribunais brasileiros, gerando, como reflexo, uma série de resoluções e portarias por parte desses mesmos tribunais.

A grande questão é que, com esse cenário, por não existir uma lei federal regulamentando o assunto no âmbito nacional, os tribunais passaram a enfrentar o tema de formas distintas e não uniformes, gerando apreensão para as partes e seus advogados.

Como o Superior Tribunal de Justiça se posicionou a respeito da temática?

Em agosto de 2023, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou de forma inédita dois recursos que abordavam o assunto. Na sessão de julgamento do Recurso Especial nº 2.045.633/RJ, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, entendeu-se que, embora não exista, na lei processual, uma previsão para a citação por meio do aplicativo WhatsApp, esse tipo de citação pode ser validado se cumprir sua finalidade.

Em seu voto, a Ministra afirmou que, se, por um lado, há uma ausência de lei quanto ao tratamento específico da matéria, por outro, a comunicação dos atos processuais por aplicativo de mensagens seria uma prática bastante difundida nos tribunais brasileiros a ser convalidada.

Todavia, considerou que a citação pelo aplicativo WhatsApp poderá ser válida apenas se a mensagem for efetivamente entregue ao destinatário por meio de um conteúdo “límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz”, ressalvando as hipóteses em que o ato deverá observar eventual forma expressamente prevista em lei. Seu voto foi seguido à unanimidade pelos demais Ministros integrantes do Colegiado.

ícones de mídias sociais aparecem na tela de um smartphone que, por sua vez, é segurado por um par de mãos

Imagem: Freepik

Já no julgamento do Recurso Especial nº 2.026.925/SP, também da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, com placar unânime, e ocorrido na mesma sessão do caso anterior, discutiu-se a citação por intermédio das redes sociais. Neste caso, a Terceira Turma do STJ adotou um entendimento diverso do já mencionado, em interpretação mais restrita e conservadora.

Em seu voto, novamente a Ministra Relatora frisou a necessidade de regulamentação do assunto pelo Poder Legislativo e, na contramão da flexibilização conferida no voto anterior, afirmou que não há autorização legal para comunicação dos atos processuais por meio de mensagens eletrônicas nas redes sociais e, por tal motivo, não haveria que se validar, previamente, a prática de atos de forma distinta daquela prevista em lei.

Interessante notar que a Ministra consignou ainda, em seu voto, que a facilidade na criação de perfis falsos, sem vínculo com dados básicos, seria uma questão problemática para a utilização das redes sociais para a comunicação oficial dos atos processuais.

Sobre tal aspecto, vale dizer que o mesmo ocorreria com a citação via aplicativo WhatsApp, na medida em que não são incomuns os relatos de fraudes na criação de conta vinculada a números telefônicos de terceiros, todavia, tal fato não foi óbice para validar a citação ocorrida por intermédio daquele, em prestígio ao cumprimento célere e descomplicado do ato.

Vemos, portanto, que, apesar de, num primeiro momento, trazer um horizonte mais digital para a prática de atos processuais judiciais, a Corte ainda se mostra conservadora quanto a utilização dos provedores de conteúdo como instrumento processual, prestigiando o princípio da liberdade das formas tão somente com relação aos aplicativos de mensagem. De fato, no que diz respeito a interseção entre Direito e tecnologia, o Poder Judiciário ainda passa por um processo de adaptação, lidando com tais questões de forma cautelosa.

 

Direito ao esquecimento versus desindexação

Isabela Pompilio é responsável pela área de contencioso da unidade de Brasília de TozziniFreire Advogados, com larga experiência em atuação nos Tribunais Superiores. Atua em causas estratégicas há duas décadas e no acompanhamento de teses visando a formação de novos entendimentos jurisprudenciais em direito cível, internacional e digital.

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