No código penal do Brasil, 171 refere-se ao número do artigo que prevê crimes de estelionato. Mas no universo dos games, essa mesma sequência de números dá nome ao novo jogo de mundo aberto lançado pela Betagames Group, que ficou popularmente conhecido como “o GTA brasileiro“.

O rótulo é autoexplicativo e totalmente fidedigno. Isso porque 171 traz toda jogabilidade, gráficos e caos característicos de Grand Theft Auto, mas em uma ambientação 100% brasileira. Acredite: com menos de um minuto de gameplay você terá a certeza de que o título se passa por aqui e e de que foi produzido por uma dev nacional.

Por falar em dev, o jogo — ainda em fase de polimento — é fruto de longos anos de trabalho da Betagames Group. A idealização foi iniciada em meados de 2010, mas um desenvolvimento mais intenso começou somente em 2015. Contudo, foi só a partir de 2019 que o estúdio começou a arrecadar recursos de campanhas de financiamento e o projeto, enfim, começou a ganhar forma.

Valeu o esforço: após esta longa jornada, a versão alpha de 171 foi finalmente disponibilizada para PCs em 17 de novembro. E como “GTA” e “Brasil” em um mesmo contexto jamais podem ser ignorados, o TecMasters resolveu arriscar esse desafio frenético pelas bandas nacionais.

E o parecer dessas primeiras impressões você confere abaixo.

A misteriosa história do GTA brasileiro

Analisar um game sem um enredo bem definido pode ser estranho, mas ao mesmo tempo instigante. Aliás, esse é o caso de 171: por mais que o projeto tenha mais de uma década de vida, os desenvolvedores optaram por manter a história principal como incógnita, já que a versão final só deve ser vista em 2024.

Nesta fase alpha do game, o player simplesmente assume o comando do protagonista principal sem saber de sua história ou de suas ambições. Felizmente, os desenvolvedores Diogo Moraes e Renato Facini deram um pouco mais de luz ao enredo em uma recente entrevista ao Flow Podcast.

Basicamente, o jogador assumirá o papel do protagonista Nicolau Souza — que ficou conhecido por seu outfit composto por camisa listrada, bermuda e chinelo —, um jovem que, originalmente, é apresentando como um homem trabalhador, honesto e de boa índole.

Nicolau Souza, protagonista do jogo 171

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

Acontece que seu irmão (cujo nome ainda não foi revelado) é envolvido com o tráfico. E tudo muda na vida de Nicolau quando seu familiar chega em casa amassado no soco após ter sido violentado pelos bandidos. A partir daí, o protagonista passa a se envolver com o universo criminoso na tentativa de salvar a vida de seu irmão.

Grandes detalhes não foram revelados, mas segundo os desenvolvedores, a ideia é que o game permita dois caminhos distintos para o jogador: seguir a trajetória como um criminoso ou de forma honesta.

O nosso Brasil em seus mínimos detalhes

Iniciar uma jogatina sem saber a história do jogo pode ser confuso, mas em 171, esse gap é ignorado dada a ambientação do game. Aliás, esse é de longe o principal destaque: com diversas referências brasileiras e detalhes minuciosos, o game consegue ilustrar o Brasil de uma forma que nenhum outro jogo já conseguiu.

A região fictícia de Sumariti é baseada na cidade de Sumaré — localizada no interior de São Paulo. E aqui, não há como negar o ótimo trabalho feito pela Betagames Group, que trouxe comércios de bairro, áreas periféricas, terrenos que se dividem entre ruas asfaltadas e chãos de terra, e uma série de elementos que representam toda a nossa brasilidade.

[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira
[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira
[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira
[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira

Mas a riqueza de detalhes não se limitam somente a isso. Há, por exemplo, o famoso caminhão do gás que passa em uma determinada hora. No interior de casas — sim, é possível entrar em algumas delas —, há outros elementos icônicos do Brasil como a roupinha bordada do botijão de gás ou o tradicional filtro de barro. É possível também visitar uma barraquinha de pastel na feira e dizem as boas línguas que o canto do bem-te-vi pode ser ouvido aleatoriamente durante o dia.

[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira
[Preview] 171 é promissor e destaca-se por sua ambientação brasileira

E para quem ainda não ficou convencido da ambientação ímpar de 171, o game ainda traz outro ponto importante para que o player se sinta em terras brasileiras: as dublagens de protagonistas e personagens — que permanecem em PT-BR mesmo se o player optar por rodar o jogo em inglês ou espanhol.

Neste quesito, é possível destacar pontos positivos e negativos. A começar pelos negativos, a equipe enxuta de dublagem (que contou com cerca de sete profissionais) resultou em poucas vozes e falas repetidas. Além disso, alguns problemas de polimento fazem com que os diálogos nem sempre se alinhem com a situação presenciada.

Já falando sobre os pontos positivos, ouvir os personagens conversando em português deixa tudo ainda mais verde e amarelo. E o bacana é que as falas são repletas de gírias, expressões e trocadilhos do cotidiano nacional, deixando o jogador ainda mais imerso no ambiente paulista de Sumaré.

Personalização é outro destaque positivo

Ainda no guarda-chuva de ambientação, 171 traz personalizações para que o jogador deixe o game ainda mais BR. Neste sentido, há uma loja de roupas indicada no mapa para que Nicolau renove o seu guarda-roupa e deixe os trajes originais para trás.

Com o dinheiro conquistado no decorrer do game, o player pode adquirir novas peças. E aí vai do gosto: de camisas tradicionais a peitas de clubes de futebol; de bonés a toucas; de moletons a corta-ventos; de calças jeans tradicionais a bermudas; de chinelos a modelos de crocs.

171 7

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

As possibilidades de personalização também são vistas em outra paixão de brasileiros: os carros tunados. Depois de roubar conseguir um veículo, basta ir até a mecânica para trocar as rodas, alterar os vidros ou rebaixar toda a lataria.

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Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

Por ora, poucas opção de customização foram vistas, mas a expectativa é de que isso seja aprimorado com o desenvolvimento do game. Pode parecer pouca coisa, mas são essas opções extras que trazem sentimentos de ainda mais familiaridade para o jogador.

Espalhando o caos em Sumariti

Tendo em vista que a história do game ainda não foi revelada, o jeito foi aproveitar as horas de jogatina para analisar todas as possibilidades oferecidas (até o momento) por 171. E nada melhor que curtir o GTA brasileiro ao maior estilo balbúrdia e desordem, certo?

Em relação às mecânicas, o jogo muito se assemelha aos títulos de GTA. Além de comandos básicos como movimentação, pulo e agachamento, o player poderá roubar veículos, pessoas, interagir com NPCs ou mesmo usar seus punhos e arsenais para instaurar o caos na pequena cidade.

Por falar nisso, o mapa ainda é bem pequeno — especialmente se levarmos em conta que o game será de mundo aberto. É certo que o título ainda está em fase alpha e os próprios desenvolvedores admitiram o desejo de incluir até cinco cidades (com diferentes biomas) ao cenário, posteriormente. Mas a limitação geográfica traz uma certa mesmice à gameplay.

Mapa 171

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

Apesar disso, Sumariti é relativamente povoada e conta com um número razoável de NPCs. Os personagens também interagem entre eles e com Nicolau. Ao andar pelas ruas, será possível, por exemplo, ver enquadros policiais. Mas caso esbarre com alguém na rua, prepare-se para ouvir xingamentos e outras provocações.

Enquadro 171

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

Mas ouvir fofocas alheias não é a única coisa a se fazer em 171. Até o momento, há algumas pequenas missões espalhadas pelo mapa, que incluem entregas de mercadoria, fazer Uber, roubar carros e levá-los para o desmanche, vender botijões de gás ou mesmo tornar-se o aviãozinho dos traficantes.

Motoboy 171

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

Embora a maioria das missões sejam relativamente fáceis, a quest de dominar territórios não é tão simples assim. Quando isso acontece, uma região circular é indicada no mapa e o player tem de eliminar traficantes de outras gangues. E, bem, policiais também entram no meio, o que desencadeia em tiroteios generalizados.

A mecânica de combate, por sua vez, é razoável. Sem armas, chutes e pontapés. Com o arsenal em mãos, os combates trazem uma boa jogabilidade com sistema de mira — apesar dela nem sempre ser tão assertiva assim.

Tiro 171

Imagem: reprodução/Betagames Group

No geral, a jogatina foi divertida, especialmente em situações de ação — seja em tiroteios ou em colisões de veículos. Por ainda estar em fase alpha, diversos bugs foram reportados e, com exceção de um que simplesmente congelou a tela, as demais falhas não impactaram tanto a experiência.

A própria Betagames Group admitiu que otimização será um dos focos daqui pra frente e existem relatos pela internet de diversos problemas sobre isso. Parece claro que um polimento será necessário, mas ao menos nas jogatinas por aqui, não houve oscilações de fps ou engasgos.

171: vale ou não a pena?

Por fim, vem aquela famosa pergunta: vale ou não vale comprar 171? O “vale” é certo, mas bem mais complexo do que uma simples resposta afirmativa.

Quem se diverte com GTA certamente se divertirá com 171. Aliás, a experiência pode ser ainda melhor se levarmos em conta toda a ambientação brasileira que o gamer proporciona. Por mais que isso seja repetitivo, o título, de fato, pode ser a melhor representação do Brasil vista em um game.

Há ressalvas, no entanto. Por mais que o desenvolvimento tenha começado efetivamente em 2019, um projeto de mais de década poderia apresentar menos bugs e um pouco mais de conteúdo, mesmo em uma fase alpha. Por outro lado, deve-se levar em conta as dificuldades de desenvolver um jogo deste nível no Brasil e com uma equipe enxuta.

Armas 171

Imagem: Igor Shimabukuro/TecMasters

No meio de tudo isso, ainda há polêmicas sobre assets prontos utilizados ao invés de assets criados. A discussão talvez não seja tão relevante para o review, mas vale dizer que o próprio estúdio confirmou que todos os elementos comprados tiveram de ser modificados para se adaptarem ao 171. Além disso, a equipe reduzida talvez não entregasse o alpha em 2022 caso essas práticas não fossem utilizadas e, apesar das críticas, o produto é relativamente bom, tendo em vista o seu nível de complexidade e o fato de ter sido produzido por um estúdio brasileiro sem grandes recursos como lá fora.

Dito isso, 171 é promissor, mas precisa ser polido. Além das correções de bugs e falhas já mencionadas, os desenvolvedores vão precisar expandir o mapa — caso mantenham a ideia de mundo aberto —, preencher o jogo com mais missões e NPCs e, não menos importante, trazer uma história que realmente se alinhe à proposta do game.

Se isso realmente acontecer, 171 realmente fará jus ao seu rótulo de GTA brasileiro. Mas será preciso paciência, já que a versão final do game está prevista para algo entre 2024 ou no mais tardar 2025. Os jogadores de PC vão poder acompanhar essa trajetória. Já os players de PlayStation, Xbox e Nintendo Switch talvez precisem de uma dose a mais de espera até que o título também chegue nos consoles.

*O game foi analisado por meio de uma cópia resgatada na Nuuvem enviada pelo Betagames Group

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