A última terça-feira (18) definitivamente não foi um dia tranquilo para a indústria gamer. Afinal de contas, foi nesta data em que a Microsoft, dona do Xbox, anunciou um acordo de compra da desenvolvedora de jogos Activision Blizzard. O valor da operação? Nada menos que US$ 68,7 bilhões.

Quem tem acompanhado os noticiários sabe que a big tech tem feito aquisições de diversos estúdios de jogos — inclusive, se a nova transação for concretizada a Microsoft contabilizará cerca de 32 desenvolvedores. No entanto, o recém-divulgado movimento certamente pegou o mercado de surpresa.

Isso porque a Activision Blizzard está sofrendo diversos processos, acusada de promover um ambiente tóxico, machista e repleto de casos de assédio moral e sexual. Meses atrás, Phil Spencer, chefe da divisão Xbox, afirmou que estava reavaliando a relação com o estúdio, mas ninguém imaginava que isso resultaria em uma aquisição.

Claro, o negócio ainda não está concluído. A movimentação agora deve enfrentar diversos trâmites burocráticos, incluindo a aprovação de órgãos reguladores do mundo todo. E para entender um pouco melhor sobre esta grande “bomba” da Microsoft, a equipe do TecMasters conversou com Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados e atuante no mercado de Games e Esports.

Confira abaixo os principais pontos desta conversa:

Vale a pena, Microsoft?

Como dito anteriormente, há diversos “poréns” nesta aquisição. É certo que a própria Microsoft admitiu que não estava acompanhando os lançamentos do PlayStation e abocanhar novos estúdios de jogos poderia ajudar a reverter essa situação. No entanto, deve-se levar em consideração os riscos dessa operação.

Aos que não estão a par dos acontecimentos, a Activision Blizzard está no centro de um processo movido pelo estado da Califórnia. O motivo? Diversas denúncias acusam o estúdio de promover um ambiente tóxico, machista e repleto de casos de assédio moral e sexual. Não é preciso ir longe para entender quão delicada é a negociação.

Phil Spencer Xbox

Anteriormente, chefe do Xbox revelou que líderes estariam preocupados com acusações contra Blizzard – Imagem: eVRydayVR

Para Mattoso, o repúdio à cultura da Activision Blizzard declarado pela divisão Xbox não significa que a operação seja mau negócio. Não há como tirar a responsabilidade das costas do estúdio, mas ainda assim, integrar uma empresa do tamanho da Blizzard em seu portfólio seria uma ótima oportunidade.

“É natural que a Microsoft se posicione contra a conduta passada da Blizzard — até por motivos sociais e éticos. Mas ambas as empresas são parceiras de longa data, detentoras de jogos que movimentam milhões de usuários. O posicionamento de Phil Spencer não significa necessariamente que a compra não seja interessante para a Microsoft, especialmente pelo peso da Activision Blizzard”, revelou o advogado.

Mattoso mencionou ainda que movimentações desse porte não acontecem “do dia para noite”. Ou seja, é possível que as negociações já estivessem em andamento há certo tempo. Isso significa que a big tech já estava ciente de todos os riscos e possíveis críticas referentes à negociação.

Na prática, a Microsoft não faria um investimento de US$ 68,7 bilhões à toa e já deve ter um plano para recuperar o dinheiro e “limpar” a imagem deixada pela Blizzard.

O que acontece agora após o anúncio da aquisição?

Negociações de grande calibre — a compra da ARM pela Nvidia é um ótimo exemplo disso — costumam demorar longos períodos até que sejam, de fato, concluídas. Isso porque os bastidores dessas transações envolvem diversos trâmites burocráticos entre empresas, acionistas e órgãos reguladores.

Segundo Mattoso, as empresas agora precisam delimitar as responsabilidades e deveres de cada uma. Basicamente, essa etapa envolverá definir os prazos de pagamento — e como ele será feito —, analisar todos os ativos e marcas envolvidos na operação e estruturar como serão as operações no cenário pós-compra.

“A negociação costuma ser demorada porque é um processo delicado. Qualquer movimento diferente pode travar a operação de alguma empresa que está dentro do conglomerado, o que pode afetar toda a cadeia. Há muita movimentação nos bastidores e os processos dependem de diversas aprovações de advogados, auditorias, sócios, entre outros”, pontuou.

Aliado a isso, a Microsoft deve notificar a operação para os órgãos reguladores internacionais. Se ela não o fizer, certamente as entidades vão tomar o primeiro passo. Com isso, os órgãos deverão enviar um ofício para as empresas solicitando quesitos, prazos, informações e questionamentos.

Somente após a aprovação dos órgãos que o processo deve caminhar para os capítulos finais. De acordo com o CEO da Activision Blizzard, Bobby Kotick, a expectativa é de que o negócio seja fechado em junho de 2023. Mas a depender do trajeto, é possível que a negociação seja prolongada por mais um tempo.

Polêmica sobre um suposto monopólio da Microsoft

Um dos pontos mais levantados pelo mercado é sobre o suposto monopólio que a Microsoft alcançaria no mercado de games após adquirir uma das maiores desenvolvedoras de jogos do mundo. Até porque a operação não vai interferir apenas na vida das duas empresas, mas sim, de toda a indústria de videogames.

Mas afinal de contas, a movimentação configura ou não configura monopólio? Infelizmente, essa pergunta será respondida apenas pelos órgãos reguladores internacionais. Mesmo que a big tech venha fazendo diversas aquisições, somente as entidades poderão definir se a nova compra vai ou não afetar a competitividade do mercado.

Microsoft

Microsoft agora deve aguardar pelas análises dos órgãos reguladores internacionais – Imagem: VDB Photos/shutterstock.com

Mas claro, elas não vão fazer isso sozinhas. Marcelo Mattoso lembra que as próprias concorrentes participarão dessa aprovação. Ou seja, Sony, Nintendo e até estúdios como Ubisoft e EA deverão ser convocadas para informar se a transação vai interferir em suas operações e no mercado como um todo.

Além disso, tudo vai depender de como a Microsoft vai lidar com os IPs adquiridos. A empresa já alegou que vai continuar apoiando comunidades da Blizzard no PlayStation, por exemplo. Querendo ou não, este posicionamento mostra que os produtos não serão exclusivos para o Xbox — fator que deve contar (e muito) para o veredito.

Órgãos reguladores no meio do caminho

O principal ponto é que a operação só deve caminhar com a aprovação dos órgãos reguladores. No Brasil, o órgão responsável por essas questões é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Nos EUA, é o Federal Trade Comission (FTC) e, na Europa, a Comissão Europeia.

Todos estes órgãos se comunicam entre si, apesar de atenderem às respectivas legislações locais. Logo, é possível que a aquisição seja aprovada em determinadas regiões, mas vetada em outras localidades que façam parte do mercado de Microsoft e Activision Blizzard.

Fato é que, em caso de algum apontamento ou sanção, caberá à Microsoft adequar-se às normas da região em questão. Isso significa que não será necessário apenas a aprovação de um único órgão regulador. As empresas podem sofrer vetos ou sanções para operarem de acordo com as características de determinados países.

Neste ponto, vale destacar que a dona do Xbox possui quase 50 anos de existência — muito mais que big techs mais recentes como Meta, por exemplo, e até mesmo Amazon e Google. A empresa já passou por processos antitruste anteriormente e, de certa forma, já possui um know-how de como prosseguir com transações do tipo.

Possivelmente ela já estava preparada para essas questões jurídicas desde que iniciou as negociações com a Blizzard e toda essa burocracia não deve afetar as operações das empresas envolvidas.

Bom para o mercado

Apesar das atenções — totalmente compreensíveis — voltadas para um suposto domínio da Microsoft no mercado gamer, Mattoso vê a negociação com bons olhos. Isso porque a notícia “estoura” a bolha do segmento de videogames e alcança o mercado de fusões e aquisições como um todo.

“De quebra”, a operação traz holofotes para a indústria de jogos. Mesmo quem só conheça a Microsoft pelo seu sistema operacional Windows, certamente ouvirá sobre os investimentos feitos no mercado de games. Consequentemente, a área ganha mais visibilidade e amplia seu potencial de crescimento.

Talvez os próximos meses mostrem como será o comportamento do mercado diante da negociação. Além da espera pela análise dos órgãos reguladores, será preciso aguardar para ver como a big tech pretende reformular a imagem manchada da Blizzard e como será a incorporação do estúdio em seu portfólio de produtos.

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