Com o crescimento do mercado de Esports, algumas dúvidas surgem sobre o cenário, principalmente no aspecto jurídico das competições e a possível ingerência do judiciário no cenário.

Por mais que haja similaridade com os esportes tradicionais, há peculiaridades que os distinguem, principalmente por conta da propriedade intelectual dos jogos eletrônicos. A prática do desporto eletrônico não possui um dono ou diretrizes certas, mas os jogos, em sentido estrito (ex.: League of Legends, Free Fire, Hearthstone etc.), sim, e isso acaba por trazer algumas questões jurídicas dessas competições.

Exercício regular de direito

Ao tratar especificamente do cenário competitivo profissional, em sua maioria, o que existe são eventos organizados pelas próprias desenvolvedoras/publicadoras com o intuito de promover a marca da empresa e do jogo, no qual elas, por mera liberalidade e vontade, contratam as equipes ou jogadores que irão integrar aquela competição.

Via de regra, tal contratação se dá mediante parceria e divulgação para fins de marketing, na qual as equipes se comprometem a participar das competições, contratando jogadores e equipe técnica, e, em contrapartida, as desenvolvedoras/publicadoras pagam um determinado valor para as equipes selecionadas.

Esports: Qualquer equipe pode participar de uma competição? Entenda

Imagem: Djordje Novakov/shutterstock.com

Mas não se enganem. Por mais simples que possa parecer, trata-se de negócio jurídico complexo, contendo inúmeros direitos e obrigações decorrentes da contratação, prevendo todos os tipos de questões possíveis, desde propriedade intelectual, até questões trabalhistas e proteção de dados.

Além disso, por se tratar de uma competição privada, restrita e particular, que visa o marketing e publicidade da marca e daquele jogo, as equipes participantes são escolhidas exclusiva e criteriosamente pelas desenvolvedoras/publicadoras, como parceiras de marketing, após criteriosa e extensa análise, a fim de garantir que apenas equipes sérias e queiram contribuir para o setor estejam presentes nas competições.

Por se tratar de uma relação privada e interpartes, tal faculdade (escolha dos participantes) é exercício regular de direito, na medida em que é a detentora do jogo, dona da Propriedade Intelectual e organizadora das competições oficiais, quem escolhe os participantes, uma vez que ela é a maior preocupada e interessada com a qualidade e integridade de tais eventos. Afinal, é a marca delas que está em jogo.

Ou seja, não se trata de uma competição pública, mas sim privada, na qual as desenvolvedoras, exercendo sua liberdade de contratar garantida por lei (art. 421 e 422 do CC) e pela doutrina, selecionam as equipes participantes e contratam com elas a sua participação nas competições, mediante contrato privado e particular de parceria, visando, como mencionado anteriormente, o marketing e divulgação dos seus jogos.

Tratando-se, portanto, de uma contratação comercial na qual a desenvolvedora/publicadora cede uma “vaga” em sua competição para a participação de determinada equipe, tal cessão possui natureza privada e interpartes, razão pela qual a intervenção do judiciário deve ser medida extraordinária e não ordinária.

Estamos falando aqui, de uma licença de uso de uma “vaga” em uma competição privada, com finalidade de marketing e divulgação e com natureza jurídica de contrato privado interpartes e onde o usuário da vaga ainda recebe valores para sua participação. Repita-se: não se trata de uma oferta pública em que qualquer um que deseje pode comparecer ao evento e se inscrever. Cabe à organizadora do evento decidir quem irá participar ou não do evento que ela promove (exercício regular de direito) e não as próprias equipes ou o poder judiciário.

Esports

Imagem: Roman Kosolapov/Shutterstock

Além disso, ao demonstrar interesse na participação em tais eventos, seja como equipe ou como membro de equipe, a pessoa física ou jurídica, além de assinar um contrato sigiloso e privado, automaticamente aprova o regulamento daquela competição e com as diretrizes criadas pela organizadora, do contrário, a desordem seria instaurada e o objetivo do evento (promoção, marketing e divulgação do jogo) seria inócuo.

Com isso, temos duas etapas aqui: primeiramente a equipe precisa ser selecionada para participar da competição, ficando vinculada à uma contratação de natureza cível com a desenvolvedora/publicadora e, em segundo plano, a equipe fica vinculada, também, ao regulamento da competição, que deve ser observado fielmente.

O judiciário já se manifestou inúmeras vezes no sentido de que cabe às plataformas, que nesse caso figuram também como organizadoras das competições, além de selecionar os participantes, zelar pela integridade do ambiente virtual ou físico, sendo um exercício regular de direito fiscalizar e punir usuários ou competidores que estejam descumprindo as regras previstas nos termos de uso e demais regulamentos.

Por fim, ressalta-se que o cenário brasileiro de esports, após dez longos anos de investimento por parte das desenvolvedoras/publicadores, floresce a cada dia e hoje já movimenta milhões de reais, além de abrigar milhares de profissionais que vivem e se dedicam exclusivamente a isso, razão pela qual qualquer movimento que interfira no equilíbrio pode acabar por inviabilizar um setor em franco crescimento.

 

Bens virtuais sob ótica jurídica: por que não posso vender aquela skin rara?

Marcelo Mattoso é graduado em Direito pela Unesa. É especialista em Direito Digital (Inovação e Tecnologia) pela Fundação Getúlio Vargas, entusiasta e especializado em consultoria e litígio no mercado de Games e Esports; advogado, sócio e coordenador da área de Games/Esports do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

 

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