A ficção, por vezes, romantiza o propósito, a força-motriz de seus personagens principais. Para o artista, é interminável a busca por inspiração para que ele se mantenha sempre empenhado, em busca de criar uma obra de arte memorável — seu magnum opus. Para o detetive, eis a busca pelo crime perfeito: aparentemente impossível de ser solucionado e, portanto, um obstáculo incomensurável e empolgante. Em Decisão de Partir, o artista e o detetive se juntam na figura do protagonista Jang Hae-joon, mas em uma representação crível (e sombria) que apenas o diretor Park Chan-wook é capaz de transmitir.

Aos não familiarizados, Park Chan-wook é o diretor e roteirista de Oldboy, filme que se aloca como o filho do meio da sanguinolenta e perturbadora “Trilogia da Vingança” — sendo o impactante Mr. Vingança o primeiro, e o brilhante Lady Vingança o último. Ele também é a mente responsável por A Criada, longa-metragem de suspense erótico e investigação aclamado pela crítica e pelo público. Agora, o cineasta sul-coreano retorna em Decisão de Partir como produtor, diretor e co-roteirista, onde apresenta uma combinação singular de alguns elementos de seus principais trabalhos, em especial o romance e a investigação, e diversas dualidades como a emoção e a razão, o platônico e o lúbrico, o propósito e a insensatez, entre outras temáticas.

A tragédia do amor; a celebração da morte

Em Decisão de Partir, o ponto de partida é a misteriosa morte de uma pessoa, encontrada ao pé de uma montanha. O detetive Jang Hae-joon (Park Hae-il), um dos melhores da cidade sul-coreana de Busan, se encarrega do caso e passa a investigar a tragédia. Casado e experimentando uma agitada vida sexual com sua esposa, o homem parece levar uma rotina comum. Ainda assim, o filme lentamente apresenta o personagem e o desenvolve nos pormenores, mostrando que ele carece de um propósito, de uma força-motriz que lhe faça sentir empolgado. E, quase como um golpe cruel do destino, o que o faz sentir-se verdadeiramente vivo é justamente a morte: os crimes, assassinatos e outros ocorridos em que se faz necessário viver a adrenalina, o perigo e o imprevisto.

Neste ponto, entra Song Seo-rae (Tang Wei), a viúva do homem encontrado morto ao pé da montanha. Devido à sua frieza pelo ocorrido, ela é tratada como principal suspeita do caso, que passa a ser visto como um possível assassinato. Ao mesmo tempo, sua natureza misteriosa começa a despertar o interesse do detetive. À medida que o caso avança, os dois se aproximam cada vez mais um do outro, com Hae-joon dividido entre investigar o passado da mulher, e desvendar seus verdadeiros sentimentos. O crescente desejo entre os dois é nebuloso, recheado de bandeiras vermelhas, mas ainda assim, capaz de manter o espectador vidrado nos desdobramentos de cada ação tomada pelos dois protagonistas.

Aqui, Park Chan-wook consegue trabalhar a narrativa apresentando somente o necessário e nos momentos certos. Como o ritmo é moderado nesse sentido, as informações continuam frescas na memória, e com isso, o espectador não se sente sobrecarregado e nem subestimado com o desenrolar da trama. Outro detalhe que mantém instigado quem está assistindo é o enfoque da câmera que, ora é subjetivo, ora vai direto ao ponto com um ângulo específico. Os cenários são carregados de metáforas — como a neblina da cidade —, e os diálogos, apesar de pouco memoráveis, funcionam quando combinados com os closes e as atuações. Falando de forma pessoal, Decisão de Partir me fez sentir envolvida com a história e seus personagens, como há tempos não acontecia.

Vale à pena assistir Decisão de Partir?

Decisão de Partir, de Park Chan-wook, brilha ao retratar de forma distorcida, a tragédia do amor e a celebração da morte. Seu protagonista é o artista e, ao mesmo tempo, o detetive: ele tem uma musa para inspirá-lo a perseguir seu propósito, mas ao mesmo tempo, ela é a chave para solucionar um suposto crime — isto é, se ela mesma não o tiver cometido, afinal de contas. Este caso é o que o faz sentir-se vivo e empolgado novamente, e se o enigma for desvendado, o que lhes resta? O desejo, embora mútuo, pode não ser o bastante.

Crítica | Decisão de Partir é um filme instigante que te faz querer ficar
Crítica | Decisão de Partir é um filme instigante que te faz querer ficar

Além de envolvente, intenso e instigante do começo ao fim, Decisão de Partir surpreende principalmente em sua conclusão, apelando para o amor em sua essência: complexo, prazeroso, dolorido, ambíguo e fatídico. Assista.

O TecMasters assistiu Decisão de Partir em uma sessão exclusiva para a imprensa, a convite da Diamond Films. O longa-metragem tem 2h18m de duração e pode ser assistido exclusivamente nos cinemas.

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