Como nós sabemos, a cada segundo uma infinidade de conteúdos são criados, alterados ou mesmo excluídos da internet e isso ocorre em razão da natureza livre e dinâmica do mundo virtual. E todas as vezes que nos deparamos com um conteúdo que julgamos interessante, imbuídos de boa-fé, compartilhamos em nossos perfis ou páginas, concordando, criticando ou simplesmente replicando sem adição de quaisquer comentários.

Pois recentemente, em uma ação judicial ajuizada em Santa Catarina, na qual se discutia a publicação de um vídeo falso, por determinada pessoa, pretendeu o ofendido, autor da demanda, não só a remoção desse vídeo, mas também o pagamento de indenização por danos morais, além do fornecimento dos dados pessoais não só do autor da postagem, mas também de todas as outras pessoas que compartilharam aquele vídeo (a publicação já havia sido compartilhada por cerca de 500 pessoas).

Compartilhar conteúdo falso nas redes sociais autoriza a quebra de sigilo dos dados pessoais do usuário?

Imagem: Gil C/Shutterstock.com

Defendia o autor da ação que o simples ato de compartilhar o conteúdo seria suficiente para caracterização de um ilícito e, assim, os dados pessoais daquelas pessoas também deveriam ser quebrados, em massa, para supostamente ajuizar mais demandas judiciais visando o recebimento de indenização por dano moral.

Ao responder a ação, após ordem judicial, a rede social excluiu o vídeo falso e informou os dados pessoais que possuía apenas do usuário autor do vídeo, deixando de entregar os dados de todos os demais que haviam compartilhado o conteúdo por não considerar justa essa quebra de dados de forma indiscriminada.

Não satisfeito, o autor da ação recorreu para o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que confirmou a decisão do juiz. Diante desse cenário, o Superior Tribunal de Justiça recebeu recurso, de autoria da plataforma, questionando tal entendimento e, assim, afirmando que não seria razoável determinar a quebra de dados em massa pelo singelo ato de compartilhar.

No seu entender, deveria o autor informar quais seriam os usuários que teriam praticado alguma ilicitude ao compartilhar o vídeo, visto que, no mero ato de compartilhar, não há, necessariamente, a pretensão de difamar, mas também pode haver atos de crítica e alerta quanto à postagem inicial ou mesmo uma republicação sem qualquer comentário, isenta. Ainda, a pessoa que republica muitas vezes não sabe sequer que aquele conteúdo é falso, não se podendo presumir que o simples ato de compartilhamento implicaria em má-fé ou cometimento de uma conduta censurável.

Quebra do sigilo de dados viola privacidade e intimidade

De forma extremamente acertada, o STJ acolheu os argumentos da plataforma, entendendo que a quebra de sigilo de dados dos usuários é um ato extremamente sensível e extremo, não podendo ser feito de forma indiscriminada, pelo que a demonstração prévia, pelo ofendido, de prática de uma conduta ilícita e reprovável, a autorizar a violação da privacidade e intimidade das pessoas, deve ser observada. Ou seja, o potencial direito de ação não deveria se sobrepor às garantias constitucionais de sigilo da vida privada.

Compartilhar conteúdo falso nas redes sociais autoriza a quebra de sigilo dos dados pessoais do usuário?

Imagem: Conny Schneider/Unsplash

E aqui deixo minha parabenização à decisão proferida pelo STJ e a postura das plataformas digitais ao defenderem o sigilo dos dados, pois se os usuários digitais pudessem ser responsabilizados pelos simples ato de compartilhamento de conteúdo trivial, em pouquíssimo tempo boa parte deles já teria seus dados cadastrais defasados em ações judiciais que sequer constataram a existência ou não do efetivo cometimento de um ilícito.

Aliás, a principal função de uma rede social, que é a socialização, sofreria um grande ataque à sua liberdade de expressão, já que, com toda certeza, cada vez menos conteúdos seriam compartilhados em razão de um justo receio de responsabilização indevida.

Por isso, a perigosa pretensão de determinação de quebra de dados em massa, por arrastão, sem a mínima e necessária averiguação prévia da existência de ilicitude do ato é medida que deve ser fervorosamente reprimida pelo Judiciário.

 

Direito ao esquecimento versus desindexação

Isabela Pompilio é responsável pela área de contencioso da unidade de Brasília de TozziniFreire Advogados, com larga experiência em atuação nos Tribunais Superiores. Atua em causas estratégicas há duas décadas e no acompanhamento de teses visando a formação de novos entendimentos jurisprudenciais em direito cível, internacional e digital.

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