ARMA 3, um game de estratégia e tiro da Bohemia Interactive, foi novamente envolvido em polêmica, usado como plataforma para espalhar notícias falsas (também comumente conhecidas como fake news) sobre a guerra entre Israel e Palestina. “Novamente”, porque o jogo já havia sido usado como palco de disseminação de informações inverídicas em outro confronto: o da Rússia e Ucrânia.

Em nota, a Bohemia Interactive, desenvolvedora responsável pelo título, disse que “é desanimador” ver o jogo “sendo usado desta forma”. O estúdio independente tcheco confirma que não consegue eliminar por completo as falsas notícias espalhadas, apesar ter iniciado um esforço grande em estreita cooperação com as principais agências de verificação de fatos e, assim, ter “encontrado formas de resolver a questão de maneira relativamente eficaz”.

A companhia também agradece o esforço de fãs, que têm contribuído ativamente na exclusão de fake news dentro do jogo. “Podemos ver que muitos de vocês nos ajudam desmascarando esse tipo de vídeo [falsos] em várias plataformas de mídia social e agradecemos por isso.”

Bohemia Interactive, ARMA 3 e a saga fake news

ARMA 3 é um jogo de mundo aberto que combina mecânicas de estratégia militar e tática de tiro em primeira e terceira pessoas. Lançado em setembro de 2013 pelo estúdio tcheco Bohemia Interactive para PC (Windows e posteriormente para Linux também), o game rapidamente se popularizou.

Para se ter ideia, a Bohemia registrou mais de 2,22 milhões de jogadores ativos em 2022 — isso contabilizando apenas o terceiro título da franquia.

Na narrativa, os jogadores são convidados a estabelecer ofensivas em um conflito fictício, que se passa em 2035. Um dos principais diferenciais do game, como salienta a companhia, é o fator modificação.

“Um pilar da franquia ARMA, no entanto, é sobre o quão abertos são os jogos para personalização e para conteúdo gerado por usuários (modding)”, diz o comunicado. Assim, “modders podem criar terrenos, veículos terrestres, aeronaves, armas, uniformes, equipamentos e cenários totalmente novos.”

Ao todo, a desenvolvedora contabiliza cerca de 20 mil mods disponíveis só em ARMA 3.

Na prática, a habilidade de criação dentro do jogo traz uma experiência diferenciada para jogadores. No entanto, é justamente essa mesma habilidade que faz com que o jogo seja alvo bastante requisitado na disseminação de conteúdos falsos.

“[…] os jogadores do ARMA 3 podem recriar e simular qualquer conflito histórico, no presente ou no futuro e com muitos detalhes (graças ao avançado motor de jogo). Essa liberdade única da plataforma tem uma desvantagem: os vídeos retirados do ARMA 3, principalmente quando o jogo é modificado, são amplamente capazes de espalhar fake news”, explica a empresa.

No início da semana, um exemplo sobre como o game é usado na prática por disseminadores de fake news ganhou os holofotes. O conteúdo em vídeo retratava dois helicópteros sendo abatidos por mísseis e foi amplamente compartilhado no X (ex-Twitter), juntamente com alegações de que as imagens eram reais e mostravam helicópteros israelenses sendo abatidos pelas forças do Hamas.

O conteúdo foi verificado pela Reuters, que rastreou a origem do vídeo para conta do YouTube, onde ele teria sido publicado dias antes da recente guerra efetivamente ter início.

ArmA 3 videogame Ucrânia

Imagem: divulgação

Apesar da prática ter diminuído, infelizmente ela não pode ser eliminada. Tampouco é a primeira vez que o jogo é usado como arma (com o perdão do uso intencional da expressão) em conflitos reais. Pavel Křižka, gerente de relações públicas da Bohemia Interactive, lembra que o título foi usado no passado, durante a guerra entre Rússia e Ucrânia.

À época, foi comum encontrar vídeos na Internet os quais retratavam conflitos em locais como Afeganistão, Índia, Palestina, Paquistão e Síria, mas que eram apenas conteúdos gerados por usuários dentro do ARMA 3.

“Embora seja lisonjeiro que o ARMA 3 possa simular conflitos de guerra modernos de forma tão realista, certamente não estamos satisfeitos que eles possam ser confundidos com imagens de combate da vida real e usados como propaganda de guerra”, afirmou Křižka.

O executivo ressalta o trabalho da empresa em tentar “lutar contra esse tipo de conteúdo sinalizando esses vídeos para provedores de plataforma (Facebook, YouTube, Twitter, Instagram etc)”, mas ele salienta que o esforço é ineficaz. “A cada vídeo removido, mais dez são enviados por dia. Identificamos que a melhor maneira de resolver a questão é por meio da cooperação ativa com os principais meios de comunicação e verificadores de fatos (como AFP, Reuters e outros), que têm melhor alcance e capacidade para combater de forma eficiente a difusão de imagens de notícias falsas.”

Via VGC

ARMA 3 e dicas sobre como distinguir vídeos falsos dos reais

Sabemos que fake news não é assunto novo, porém, permanece uma batalha de difícil resolução. Como parte do esforço da Bohemia para ajudar usuários a distinguirem vídeos do jogo de imagens do mundo real, a empresa publicou no blog oficial uma lista de ações (dicas dadas pelos desenvolvedores da companhia) que podem ser aplicadas na análise de conteúdos espalhados pela Internet.

As dicas, aliás, servem para muitos vídeos falsos, não apenas conteúdos criados a partir dos títulos da franquia ARMA.

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Imagem: Nijwam Swargiary/Unsplash

Mais do que ajudar a identificar vídeos falsos, a Bohemia também pede aos jogadores de ARMA 3 e outros jogos da franquia que, se fizerem vídeos utilizando o game, que seja divulgado de forma responsável.

“Ao compartilhar tais materiais, evite usar títulos ‘clickbait‘ nos vídeos e sempre declare abertamente que o conteúdo foi originado a partir de um game e não retrata eventos da vida real.”

Abaixo, o TecMasters compilou as dicas compartilhadas pela Bohemia para ajudar no combate às fake news e mitigar o compartilhamento de conteúdos falsos.

  • Baixíssima resolução

Quando você encontrar um vídeo que parece real, mas está com uma péssima resolução, este deve ser um sinal de alerta. “Até mesmo os smartphones mais antigos possuem a habilidade de reproduzir vídeos em HD. Fake videos usualmente possuem baixíssima resolução, e imagens intencionalmente pixeladas e borradas para esconder o fato de que elas foram tiradas de um jogo”, explica a empresa.

  • Filmagem com imagem tremida

“Para adicionar um efeito dramático, esses vídeos frequentemente não são capturados diretamente no jogo”, explica a Bohemia, se referindo às capturas de tela que podem ser realizadas dentro do game, o que aumentaria a qualidade das imagens.

Assim, “os autores [de vídeos falsos] filmam uma tela de computador que está rodando o jogo em baixa qualidade, e com trepidação exagerada da câmera”, completa. Portanto, a tática usada por disseminadores de vídeos falsos consiste em deixar a imagem intencionalmente ruim, dificultando a identificação a olho nu.

  • Filmagens noturnas ou escuras

Também dentro do espectro de táticas para dificultar a identificação, é comum que vídeos sejam ambientados em locais escuros, ou filmados à noite. “A filmagem costuma ser escura para esconder o nível insuficiente de detalhes da cena do videogame”, descreve a desenvolvedora.

  • Sem áudio

Também é comum que os vídeos falsos sejam compartilhados sem qualquer áudio de fundo. “Os efeitos sonoros do jogo costumam ser distinguíveis da realidade.”

  • Não mostra pessoas em movimento

Para criar o efeito mais próximo da realidade, vídeos falsos não costumam apresentar pessoas em movimento, porque as personagens dos videogames seriam facilmente distinguidas de pessoas reais. “Embora possa simular o movimento de veículos militares de forma relativamente realista, capturar humanos em movimento com aparência natural ainda é muito difícil, mesmo para os jogos mais modernos.”

Elementos do Head Up Display (HUD) visíveis

É comum a exibição de elementos dentro da interface de jogos, para facilitar a experiência dos jogadores. Tais elementos são comumente conhecidos como “head-up display” (ou apenas HUD) e consistem em dados como seleção de armas, contadores de munição, status do veículo, mensagens, e outros elementos, exibidos na interfaces de usuário. Esses elementos “geralmente aparecem nas bordas ou nos cantos da filmagem”, afirma a Bohemia, então é um bom indício para definir a veracidade de um vídeo.

  • Efeitos não naturais em partículas

Mesmo os jogos mais modernos têm problemas em representar naturalmente explosões, fumaça, fogo e poeira, bem como apresentar a maneira em que são afetados pelas condições do ambiente”, explica a desenvolvedora. Assim, busque por elementos estranhos: “Procure especialmente por nuvens estranhamente separadas”, afirma.

  • Veículos, uniformes e equipamentos fictícios

“Pessoas com conhecimentos avançados em equipamento militar conseguem reconhecer a utilização de recursos militares de forma arbitrária em um determinado conflito”, afirma a empresa. Como exemplo disso, a Bohemia descreve um vídeo em que um C-RAM abate um avião A-10 — um cenário que foi de fato usado em um vídeo falso anteriormente identificado pela desenvolvedora.

Acontece que não faz sentido um C-RAM — como é conhecido o conjunto de sistemas de defesa usado por militares dos Estados Unidos para detecção e destruição de foguetes e outros armamentos inimigos antes que eles possam atingir alvos terrestres, ou mesmo emitir alertas para uma defesa proativa —, atacar um A-10, já que o avião também faz parte da artilharia dos EUA.

Além disso, é comum encontrar em vídeos falsos alguns elementos arbitrários como insígnias não autênticas e camuflagem.

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