É difícil não gostar de Gerard Butler: o escocês de 53 anos é um dos atores mais versáteis – e mais subestimados – que Hollywood oferece atualmente. Entretanto, esse é um problema justificado, haja vista que o seu novo longa-metragem – Missão de Sobrevivência, da Diamond Films – acaba repetindo alguns erros da carreira do ator e, mesmo que a “culpa” não seja exatamente dele, ele acabou colocado em um roteiro bastante sem sal.

Originalmente, o filme estreou em maio na Arábia Saudita, e chega ao resto do mundo nesta semana (especificamente, no dia 27). Nele, Butler é um agente da CIA operando em infiltração no Oriente Médio: depois de uma operação render diversos problemas apesar de ser bem sucedida, ele, junto de um outro companheiro, tentam escapar da região a qualquer custo e, quem sabe, voltar com vida aos seus países de origem.

O grande problema de Missão de Sobrevivência é que ele tenta se estabelecer como algo que não é, percebe a falha no meio do caminho e, a partir daí, tenta mudar de ritmo apelando para clichês bem genéricos de filmes de ação. Agora, é bem verdade que clichês não são necessariamente ruins – eu já afirmei em textos de outros filmes que, dependendo de como são usados e em qual dosagem, eles complementam bem um filme, dando elegância mesmo que sem ineditismo.

Aqui, não há nada disso: o filme começa com Butler executando uma operação de rotina – ele está disfarçado de técnico de internet dentro de uma empresa sueca de instalação de fibra óptica. Sob o pretexto de “melhorar a internet do povo”, ele está…em uma instalação militar (?) dentro de uma usina nuclear (??) para instalar componentes de monitoramento e destruição e, bom, isso não é spoiler pois está no trailer acima: ele destrói o reator. Missão cumprida.

Imagem mostra cena do filme "Missão de Sobrevivência" que estreia em 27 de julho

Imagem: Diamond Films/Divulgação

Só que não: por vários motivos, a informação vaza, sua identidade agora é conhecida por todo mundo. O exército, o Talibã e até o Estado Islâmico – Província de Khorasan (“ISIS-K”, uma ramificação real e mais extrema do Estado Islâmico original) o querem capturado, torturado, morto etcetera, etcetera…

É nessa tentativa de estabelecer três vias de antagonismo versus uma de escapatória do protagonista que Missão de Sobrevivência tenta se passar por um thriller de ação, com reviravoltas e – admito aqui – uma das melhores gestões de fotografia cinemática do ano. A transição entre os momentos de tensão (caracterizados pela “câmera balançante”, como se você estivesse correndo com os atores) e a calmaria com música de volume suave nas grandes paisagens e plano aberto é realmente ímpar.

Infelizmente, não melhora a partir daqui: thrillers são caracterizados, majoritariamente, por grandes reviravoltas na história – seja na ação, terror ou qualquer outro gênero. Aqui, quase não há plot twist e os que existem, ou são previsíveis ou têm pouco impacto. “Ah, ok, então” não é uma reação muito favorável quando você quer virar a história do filme de cabeça para baixo – você na verdade está procurando o “EITA P***A OLHA ISSO”, entende?

Eventualmente, o filme desiste dessa ideia e resolve apelar para os pontos mais comuns dos filmes de ação: em resumo, perseguições automobilísticas por amplos desertos, tiros, coisas explodindo (surpreendentemente, nenhum soco no filme inteiro…não é uma crítica, mas achei a constatação engraçada demais para deixar passar) e uma tentativa de amarrar isso em uma narrativa que, de um lado, reconhece os abusos do americanismo militar em nações estrangeiras e, de outro, abre um afã “Vamos, América” regado a explosões e mísseis Hellfire em amplas trilhas de fogo e terra arrasada porque…porque sim? A essa altura, os motivos são os mesmos.

Imagem mostra cena do filme "Missão de Sobrevivência" que estreia em 27 de julho

Imagem: Diamond Films/Divulgação

Dentro do aspecto técnico, tudo é bem sólido: a já elogiada fotografia é perene por todo o longa-metragem, mesmo nas sequências noturnas – tem uma parte bem específica que remete bem às missões mais escuras de Call of Duty, com direito a cortes de cena em primeira pessoa, tal qual o jogo da Activision. Faz diferença no filme? Não. É legal de ver e perceber a referência? Com toda certeza.

A trilha sonora é propositalmente abafada nos momentos mais essenciais, não apenas para dar espaço aos diálogos e progressões de cena, mas também para criar um tom crescente que vai do conforto dos protagonistas em encontrar descanso após horas fugindo, até crescer em uma nova sequência de ação que, infelizmente, é proveniente de uma reviravolta que se pode antecipar uns cinco minutos antes dela ocorrer.

‘Missão de Sobrevivência’ falha também com seus personagens

O último filme “de ação” com Gerard Butler que eu gostei de fato foi “Código de Conduta”, de 2009. Muito daquilo porque a atuação do escocês entregou pontos extremamente positivos: a ação era justificada no papel dele – ali, Butler era o “vilão”, mas era impossível não se conectar a ele, considerando o enredo do filme e as razões que o levaram às suas ações.

Missão de Sobrevivência, infelizmente, também falha nesse aspecto: Butler vive um agente esquecível na melhor das hipóteses (note que até agora, eu não mencionei “Tom”, o nome de seu personagem), mas ao menos ele é o mais evidente, por ser o protagonista. Os outros não têm essa sorte.

Navid Negahban vive Mohammad “Mo” Doud, o “companheiro de viagem” de Butler, que foi contratado pela CIA sob o pretexto de ser tradutor do agente. Ele próprio tem uma história própria que é indecentemente abandonada em favor do “herói” – ele tinha o objetivo de encontrar a cunhada, uma professora desaparecida. Tem até uma cena em que o filme tenta explorar isso, mas a coisa não vai para frente e o personagem rapidamente larga o “dane-se minha missão em nome da minha família, deixa eu arriscar levar tiro na cara por esse agente que conheci tem dois dias”.

Travis “ainda-lembram-de-mim-como-o-Ragnar-de-Vikings” Fimmel vive Roman Chalmers, o handler de Butller: “handler”, no jargão técnico, é a parte mais logística de uma missão de espionagem. Travis o interpreta como um sujeito debochado, tipicamente um espião que não vai muito a campo, mas que claramente sabe mais do que deixa escapar e tem um “jeitinho” de convencer as pessoas. Ah, e ele é sinceramente convertido ao Islã: o filme tenta estabelecer isso como um ponto importante apenas para, de novo, deixar isso de lado e colocá-lo na troca de tiros também. Ou seja, isso era importante…até não ser.

Finalmente, Ali Fazal vive Kahil Nasir, um tipo de agente secreto a serviço de…bom, muita gente: ele fala com o ISIS-K, fala com o Talibã, fala com o exército local…e passa o filme inteiro acelerando uma moto invocada, arrumando dates na versão do filme para o Tinder e não fazendo muito mais coisa. A ideia é posicioná-lo como o “anti-Butler” – um agente de igual capacidade, só que do lado oposto. Do mesmo jeito que ele entra em cena, ele também sai, e você fica com aquela cara de “uai…”.

De resto, o elenco mal aparece, mas deixa várias pontas soltas: uma jornalista (Nina Toussaint-White) recebe a informação da missão no reator, vaza para a imprensa, é capturada e…bom, é isso. Não vamos meter o spoiler do final dela mas…honestamente, a participação dela no filme é bem esquecível e, no grande esquema, duvido que fizesse alguma diferença.

[Crítica] ‘Missão de Sobrevivência’ tenta se estabelecer como thriller, falha e apela para ação genérica
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Veredito

‘Missão de Sobrevivência’ vale no streaming, mas o ingresso do cinema é caro demais para justificar sair de casa por ele

É importante ressaltar que Missão de Sobrevivência não é um filme ruim. Ele só tenta demais ser algo que nunca deveria pensar ser e, quando encontra a sua identidade, já é meio tarde para recuperar o tempo perdido. E quando essa recuperação vem, ela está recheada de tropos que você já viu em décadas de outros filmes do gênero antes deste.

Às vezes, você só quer jantar acompanhando um filme que não faça muita força para pensar. Nesse contexto, este longa-metragem é perfeito. Mas nas telonas, você sairá da sessão pensando que poderia ter comprado ingresso para algo melhor.

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