Se existe algo que Bayonetta, tanto a personagem quanto seus jogos, sempre conseguem é deslumbrar os jogadores. Desde sua primeira e polêmica aparição, ela traz discussões importantes, e carrega diversas representações e controvérsias — como o fato de ela ser um símbolo de libertação sexual desenhada por uma mulher (Mari Shimazaki), mas escrita e dirigida por homens (Hideki Kamiya e equipe).

Já em termos técnicos, a jogabilidade de seus jogos é repleta de excessos, mas todos funcionam perfeitamente. A sinergia das mecânicas, das respostas dos comandos, dos combos e da habilidade Witch Time (quando ativado), é simplesmente estonteante. A narrativa, por outro lado, é sempre confusa, mas charmosa e intrigante; sempre recheada de personagens interessantes e cativantes.

Tudo isso embalado por uma trilha sonora animada e dançante, enquanto a Bayonetta, o ícone no centro disso tudo, literalmente desfila por um mundo empanturrado por uma mitologia fantástica. Sua jornada traz mensagens empoderadas sobre autoconhecimento, sexualidade, fraternidade e matriarcado, e ela derrota alegorias maquiavelistas da repressão, do sagrado e do patriarcado.

Bayonetta em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Os três parágrafos acima são resumos da experiência que é Bayonetta, e e enquanto o primeiro e o segundo jogo são excepcionais em tudo que propõem, Bayonetta 3 não teve a mesma sorte — indo contra o ditado popular de que “a terceira vez é melhor”.

No ritmo da dança

O progresso de Bayonetta 3 talvez seja um de seus principais problemas, já que o ritmo em que isso ocorre é um tanto descompassado. Ao todo, são 20 capítulos — incluindo prólogo, quatro episódios alternativos obrigatórios estrelados por Jeanne, e o epílogo. Ao longo dos outros quatorze, você alterna entre Bayonetta e a nova personagem Viola, a qual falaremos melhor depois.

Os capítulos se espalham em porções de diferentes cenários e existem colecionáveis espalhados em todos os episódios, além dos já conhecidos desafios opcionais que recompensam os jogadores com bons itens. Caso você queira completar tudo que o jogo oferece, estará muito bem servido no que tange a exploração, e poderá usufruir bem dos incríveis Infernal Demons e suas respectivas armas para executar esse objetivo.

Viola é uma das personagens jogáveis de Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Resumindo, em termos de exploração, Bayonetta 3 executa esse feito muitíssimo bem. E como são três protagonistas dividindo os 20 capítulos, a jogabilidade também é bastante diversificada.

Bayonetta, por exemplo, tem como padrão as clássicas quatro armas de fogo — aqui chamadas de Colour My World — e ela pode tanto invocar como se transformar em seus variados Infernal Demons, mesclando combos e a habilidade Witch Time de forma caprichada. É, de longe, a versão mais aprimorada da bruxa, e a personagem mais prazerosa de se jogar.

Viola, por sua vez, é uma bruxa em treinamento, e a forma como a PlatinumGames conseguiu transpassar essa característica para a personagem é brilhante. Você percebe em poucos segundos como ela é desengonçada, mas empenhada. E como a novata utiliza apenas uma espada japonesa e seu Infernal Demon chamado Cheshire — precisando abdicar do Witch Time para invocá-lo —, sua jogabilidade é mais limitada, mas não menos interessante.

O mundo não é o bastante

Jeanne tem missões furtivas em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Por fim, temos Jeanne. A amiga de infância de Bayonetta é enviada para uma missão secundária e a cumpre da maneira mais estilosa possível: ela precisa se infiltrar em um laboratório dominado pelas forças inimigas, mas como seus poderes são ineficazes dentro do local, a bruxa de cabelos brancos tem de eliminar os oponentes de forma silenciosa.

Aqui, o jogo muda a câmera para uma visão de rolagem lateral e controlamos Jeanne de maneira furtiva em missões com tempo limite. É possível se esgueirar em dutos de ventilação e entrar em salas para encontrar armas úteis para a missão. As missões estreladas pela bruxa de cabelos brancos têm uma referência ao anime Cutie Honey que deixa tudo ainda mais especial, e contam com uma animação estilosa de abertura com visual que lembra um pouco o game Killer 7.

É realmente incrível assistir essa abertura pela primeira e segunda vez. Na terceira e quarta não é mais. Em compensação, são apenas quatro capítulos controlando Jeanne dessa forma, e embora a jogabilidade em si seja realmente divertida, oferecendo um respiro da loucura frenética que é guiar Bayonetta e Viola nos demais episódios, a narrativa não ajuda muito a missão paralela da bruxa de cabelos brancos.

Jeanne em sua moto, em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Isso porque a narrativa é tudo menos instigante, além de previsível, e em certos pontos até mesmo pouco criativa. Pode não parecer, mas a história em si é ótima, calma. O problema mesmo é o ritmo, ou seja, como o enredo se desenrola. E as missões de Jeanne deveriam estimular o jogador, mas ao invés disso, trazem a sensação de que o jogo está se prolongando mais do que deveria.

Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

O tema do multiverso está na moda, e diga-se de passagem, Bayonetta 3 surfa muito bem nessa onda, apresentando diferentes versões da protagonista ao longo de todo o game. A premissa, caso você não se lembre, já havia sido revelada pela Nintendo antes do lançamento, inclusive.

Aqui, a história gira em torno de uma nova ameaça chamada Homunculi, criaturas criadas pelos humanos que agora querem destruir todas as realidades alternativas para criar um único universo. Após serem avisadas por Viola sobre o perigo que correm, resta a Bayonetta e Jeanne trabalharem juntas à novata bruxa para impedir que o pior aconteça.

Bayonetta ativa o Witch Time em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Por conta disso, Bayonetta precisa encontrar suas contrapartes em outros mundos e, para isso, o jogador explora versões alternativas de cidades globalmente conhecidas como Paris, Nova Iorque e Tóquio, por exemplo. Alguns destes locais são bastante estereotipados, claro, mas o que vale realmente a pena conferir são as diversas Bayonettas e Jeannes que surgem ao longo dos capítulos.

Suas personalidades, propósitos, visuais e habilidades completamente distintas umas das outras eleva a experiência a um novo nível, especialmente para quem é muito fã das duas personagens. Além disso, se você jogou o Bayonetta original e Bayonetta 2 e achou toda a história muito confusa, se prepare para um novo nível de loucura em Bayonetta 3.

Para que fique claro, isso não é uma reclamação. Pessoalmente, sempre gostei do enredo do primeiro e do segundo game, especialmente pela forma como eles se complementam. O terceiro título, porém, vem para apresentar uma nova perspectiva, mas ainda conversa com os jogos originais — ainda que isso não fique muito claro, pelo menos não a princípio. 

Homunculi, os principais inimigos de Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Entretanto, há uma reclamação a ser registrada: o design dos Homunculi. O visual deles é claramente direcionado para o aspecto artificial, mas isso não os torna menos sem graça. Para efeito de comparação, os anjos do primeiro game eram perfeitas alegorias ambulantes, mas repletos de criatividade, enquanto os demônios do segundo jogo eram mais exagerados, ousados e interessantes.

Em resumo, os anjos e os demônios tinham designs marcantes, enquanto os Homunculi, por outro lado, são bastante genéricos. Até mesmo os chefões têm um visual esquecível. Mas se Bayonetta 3 deixa a desejar com os inimigos, o mesmo não pode ser dito sobre a maior novidade deste jogo: os Infernal Demons.

Garota infernal

Uma das maiores novidades do gameplay de Bayonetta 3 são os Infernal Demons que, como o nome bem sugere, são criaturas que emprestam suas habilidades para a bruxa titular. Muitos deles, por sinal, já tinham aparecido nos jogos anteriores, mas aqui, desempenham um papel ainda maior!

O Infernal Demon Malphas em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Se a jogabilidade e os combates já eram diversificados, os demônios abrem ainda mais o leque de opções, já que expandem as mecânicas de gameplay. Afinal, as criaturas podem ser utilizadas tanto para lutar quanto para explorar os cenários, concedendo diferentes habilidades para Bayonetta por meio das armas.

É possível planar, executar um super pulo ou se locomover literalmente como um trem, entre outras possibilidades. Em contrapartida, nas batalhas, os Infernal Demons podem ser controlados por Bayonetta por meio da mecânica Demon Slave. Isso deixa a bruxa titular temporariamente vulnerável, já que ela permanece dançando no canto da tela enquanto a criatura invocada ataca todos ao redor, mas é possível causar mais dano aos oponentes — ao menos até a barra de magia se esgotar.

Contra os chefões, os Infernal Demons têm um papel ainda mais importante. Sem entrar em detalhes para não estragar a experiência, mas os momentos em que Bayonetta os invoca para travar batalhas contra os colossais inimigos ao fim de cada arco, são de impressionar. Há uma luta em específico em que a minha reação foi simplesmente bater palmas após o show que presenciei.

A Infernal Demon Baal em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Essas lutas são vibrantes, no mínimo. Não à toa, os Infernal Demons são exibidos com merecido destaque na tela de título do game. Eles são as verdadeiras estrelas de Bayonetta 3. Sem mais.

Serenata de amor

Falando brevemente da trilha sonora, como sempre, esse aspecto novamente se sobressai em Bayonetta 3, assim como nos demais jogos da franquia. Aqui, a composição é assinada por Naofumi Harada que já havia auxiliado nos arranjos de Bayonetta 2, e agora, lidera um time de compositores igualmente competentes.

Repleta de remixes e rearranjos de faixas conhecidas dos jogos anteriores, Bayonetta 3 equilibra bem a nostalgia e a novidade com peças de músicas únicas, muitas delas marcantes, por sinal. O destaque fica para o tema principal Al Fine (Whispers of Destiny), que embala alguns dos momentos-chaves do terceiro título.

Por fim, como de praxe, assim como o primeiro Bayonetta moderniza a clássica canção Fly Me To The Moon de Frank Sinatra e Bayonetta 2 apresenta uma nova e dançante versão de Moon River de Henry Mancini, em Bayonetta 3 temos uma reinterpretação apaixonante de Moonlight Serenade de Glenn Miller.

Sem volta para casa

Ao final de toda essa louca jornada, a sensação que fica é que a dosagem pesou mais para alguns aspectos e pouco para outros. O equilíbrio é tênue: se por um lado temos uma jogabilidade impecável, visuais aprimorados, trilha sonora inebriante e personagens (e suas respectivas versões) cativantes; pelo outro, a narrativa peca demais em seu ritmo.

Particularmente, algo que me decepcionou muito foi controlar uma Bayonetta extremamente comportada, que em nada lembra a heroína dos jogos anteriores. Há uma explicação para isso, claro, mas a presença dessa ousadia escandalizante que a tornava uma personagem tão única, faz muita falta.

Madama Butterfly em Bayonetta 3

Imagem: Nintendo/Divulgação

Existem ainda diversos pormenores em Bayonetta 3 que deixam a desejar, sobretudo a representação e a simbologia feminina, cuja presença era forte nos outros jogos. Desde a narração inicial, a fraternidade e o matriarcado são deixados de lado e, não à toa, muitas pessoas se decepcionaram com o desfecho do jogo.

Mesmo assim, por mais agridoce que seja, Bayonetta 3 toma importantes decisões e abre caminho para um futuro praticamente traçado — uma nova geração (e direção) para a franquia que, pode ou não dar muito certo. Entretanto, ao contrário de Devil May Cry 5, onde me vi empolgada pelo que o futuro reserva, não posso dizer o mesmo de Bayonetta…

Bayonetta 3 vale à pena?

O futuro de Bayonetta pode ser completamente diferente do que estamos acostumados a ver, mas mesmo assim, se você for fã da franquia, recomendo fortemente jogar Bayonetta 3. A experiência é extremamente prazerosa e traz uma jogabilidade inigualável — algo que apenas a PlatinumGames seria capaz de oferecer. Além disso, as diferentes versões da bruxa titular e seus Infernal Demons, como já mencionado, são os verdadeiros diferenciais desse game.

A trilha sonora é espetacular e a narrativa, embora tropece no ritmo (e seja previsível em alguns trechos), traz momentos emocionantes, reviravoltas e um desfecho surpreendente — daqueles que geram debates sem fim. Bayonetta 3 é definitivamente um ótimo jogo, muito embora, sua protagonista merecesse mais.

Bayonetta 3 está disponível exclusivamente para Nintendo Switch. O game foi analisado por meio de uma cópia fornecida pela Nintendo.

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Edu
7 de novembro de 2022 20:09

Jeje, adorei sua crítica! Parabéns pelo trabalho, joguei Bayonetta muito por conta de ver você falando em lives. Sobre o 3, o que eu diria além é de que os pontos altos dele parecem ser os mais altos da franquia. Essa parte que você bateu palma, tenho praticamente certeza qual foi e eu fiquei embasbacado, curti tanto que tive que parar um tempo pra apreciar o momento. E, por outro lado, os pontos baixos parecem os piores da franquia também. Mas, de toda forma, eu simplesmente amei o jogo, a gameplay é simplesmente surreal de boa!