Em janeiro, o mundo se aproximou dos 5 bilhões de usuários ativos (aqueles que acessam à rede regularmente), de acordo com o estudo Digital 2022: Global Overview Report. Embora a população esteja cada mais conectada, ela também tem presenciado apagões estratégicos da internet com mais frequência.

Apagões globais intencionais da internet: por que se preocupar mais com eles?

 

As quedas da internet promovidas por governos têm acelerado em todo mundo. Só em 2021, foram registradas 182 paralisações em 34 países, de acordo com dados da Access Now, uma organização sem fins lucrativos de direitos digitais. Contra o manto da escuridão digital, países africanos e asiáticos protestaram em uma tentativa de controlar o comportamento, enquanto que partes de regiões da Índia – Jammu e Caxemira – foram as que mais vezes passaram pela situação em 2021.

Esses desligamentos da rede destaca uma tendência global cada vez mais profunda para o autoritarismo digital, já que os governos usam a internet contra o próprio povo. “É bem conhecido em muitos países o fato de a internet ser um sinal ou um sinal de que algo ruim está prestes a acontecer”, diz Simon Angus, um economista da Universidade de Monash, cujo Observatório Monash da Internet rastreia a conectividade global da Internet em tempo real. “Isso parece estar alinhado de perto com os abusos dos direitos humanos porque realmente é um manto de escuridão”.

Em 1º de fevereiro de 2021, Yangon, a cidade mais populosa de Mianmar, foi palco de um golpe de estado. Militares tomaram o poder, prenderam políticos da oposição e jogaram o país de volta a era pré-internet. A data marcada para posse de um novo parlamento foi, na verdade, a primeira etapa de um golpe digital projetado para exercer controle sobre comunicações, diminuindo a velocidade e desligando estrategicamente a internet.

Dois jornalistas presenciaram o pânico e a confusão, lembrando da descrença no dia da tomada de poder pelos militares. Depois de receber um telefonema em pânico informando da situação em Yangon, o repórter Ko Zin Lin Htet lembra que verificou o telefone e a conexão de internet. “Não havia nada lá”, conta. Assim como Nathan Maung, jornalista birmanês que estava no país: “a internet estava desligada”. “As últimas mensagens de meus amigos disseram: ‘a merda aconteceu’. Não tenho ideia de que merda aconteceu”, relembra.

Apagões globais intencionais da internet: por que se preocupar mais com eles?

Imagem: Michael Dziedzic/Unsplash

O país inteiro havia sido mergulhado em um buraco negro de informação. Assim como a situação dos dois jornalistas, as paralisações também desconectam trabalhadores de emergência e os hospitais, enquanto travaram sistemas financeiros. Embora tais interrupções causem grandes prejuízos econômicos, os governos têm usado com cada vez mais frequência.

Só no ano passado, os números da Access Now mostram que os apagões de internet aumentaram 15% globalmente em comparação com o ano anterior, gerando prejuízo de US$ 5,5 bilhões no mesmo período. Entretanto, grande parte despercebidos do mundo externo, já que os fluxos de informação dos países afetados foram cortados.

Em junho, a chefe de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, condenou as paralisações da Internet: “Desligar a internet causa danos incalculáveis, tanto em termos materiais como de direitos humanos”.

‘Não há liberdade’

Em 2022, também houve vários apagões intencionais recentes patrocinados pelo Estado. Um deles ocorreu na Ucrânia. Uma hora antes da invasão russa, dezenas de modems ucranianos foram derrubados por um ataque cibernético. No Sudão, um golpe militar deixou o país às escuras. Na Etiópia e Cazaquistão, a agitação civil provocou o desligamento da internet enquanto governos tentavam impedir a mobilização política e impedir o surgimento de notícias sobre a repressão militar.

Embora esses recentes casos acendam um alerta ao mundo, especialistas dizem que Mianmar aplicou as restrições mais severas à liberdade na internet já registradas. “Cada estilo diferente de paralisação foi refletido nas primeiras semanas [do golpe]”, diz Doug Madory, da plataforma de monitoramento da internet Kentik.

As interrupções esporádicas de um dia em meados de fevereiro foram se tornando cada vez mais comuns e regulares, com derrubada da internet todas as noites. Isso perdurou por três meses, período nos quais foram realizados ataques noturnos, arrastando políticos, ativistas e celebridades.

Na população geral, as batidas tiveram profundo impacto psicológico. “Eu costumava conversar com meus amigos tarde da noite”, diz uma mulher de Yangon. “À medida que a 1 da manhã se aproximava a cada noite, aquele sentimento de frustração começava a aumentar. Parecia que eles controlavam tudo. Não há liberdade”.

Segundo Angus, não se tratava apenas de aparência, a restrição noturna que se tornou uma “forma de terror” era enviada por sinal como aviso de que ainda a população estava sob controle militar. “Torna-se um ritmo psicológico e um marcador que as pessoas têm que suportar”, diz.

Impacto dos apagões deliberados

As puxadas de plugue não são usadas apenas para abafar a agitação civil. Todos os anos, milhões de usuários do Sudão à Síria, da Jordânia à Índia também perdem o acesso à internet durante a época de exames para evitar trapaças dos alunos com uso de alta tecnologia.

“É sempre frustrante, ano após ano, que tenhamos que ficar isolados do resto do mundo”, diz Aya Hich, 21, uma médica estagiária que foi forçada a fazer os exames médicos sem acesso à internet nos últimos cinco anos na Argélia. O governo impõe a situação para que alunos não fraudem as provas dos vestibulares.

As quedas provocadas intencionalmente também trazem impactos menos óbvios, como entre as indústrias. A arquiteta sudanesa Tagreed Ahdin recorda-se da dificuldade de sobrevivência durante um mês sem acesso a banco online quando a junta militar fechou a internet em 2021.

Apagões globais intencionais da internet: por que se preocupar mais com eles?

Imagem: Dennis Kummer/Unsplash

No calor de 40 graus, Ahdin conta que um dos maiores problemas foi de manter a calma quando aplicações que comercializavam eletricidade não funcionavam mais. “Nosso primeiro momento de pânico chegou quando percebemos que não podíamos comprar eletricidade”, diz ela. “Estávamos fechando tudo em casa, enquanto as crianças imploravam por ar condicionado”. Estava muito calor”.

Líder dos desligamentos de internet

Quando se pensa em apagões de internet e consequente censura, é comum ligá-los a nações comandas por governos totalitários. No entanto, o líder do ranking total de desligamentos em todo o mundo chama-se Índia, a maior democracia do mundo desligou a conexão com o mundo 106 vezes em 2021 – número maior que o resto do mundo combinado.

O segundo país mais populoso também está entre os dez do mundo onde as pessoas ficam mais tempo online, segundo dados do estudo Digital 2022, mencionado no início do texto.

Apagões globais intencionais da internet: por que se preocupar mais com eles?

Ao analisar o alto número de desligamentos no país asiático, David Kaye, professor de direito da Universidade da Califórnia em Irvine e ex-relator especial da ONU para a liberdade de expressão, diz que a tendência preocupante: “Uma maneira de pensar sobre como é ruim [é] ver como se espalha de lugares como Tajiquistão ou Togo ou o sul dos Camarões, onde o Estado de Direito já está bastante manchado, para um lugar como a Índia”.

“Ele migrou para uma caixa de ferramentas para governos que realmente têm o Estado de direito”, alerta Kaye.

 

Com informações de The Guardian e MIT Technology Review

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