Suzume, roteirizado e dirigido pelo renomado Makoto Shinkai, é um dos filmes animados mais belos dos últimos tempos, em múltiplos sentidos. Mas muito do que o torna tão único também está na dublagem brasileira, aspecto em que as vozes foram perfeitamente incorporadas, e cumprem muito bem o papel de emocionar os espectadores.

Para saber mais sobre como foi o trabalho de dublagem, o TecMasters conversou com Mayara Stefane, a voz da protagonista Suzume, com Fábio Lucindo, que dublou o deuteragonista Souta, e com Lucas Almeida, que deu vida ao personagem Serizawa e dirigiu o projeto.

Dubladores BR do filme Suzume

Imagem: Crunchyroll/Reprodução

Mayara Stefane é uma atriz de teatro desde os nove anos, dubladora e diretora de dublagem atuante no mercado de São Paulo. Ela já deu voz a personagens como Mikasa (Attack on Titan), Chisato (Lycoris Recoil), Eri (My Hero Academia) e 2B (Nier Automata), entre outras.

Já Lucas Almeida é dublador, diretor de dublagem e influenciador. Iniciou carreira na dublagem em 2016 e venceu o Crunchyroll Anime Awards 2021 como Melhor Dublador na voz de Eren Yeager, de Attack on Titan. Ele também deu voz a Soul (Soul Eater), Hinata (Haikyuu), Ayanokoji (Classroom of The Elite)  e Eugeo (Sword Art Online Alicization), além de dirigir a dublagem de Soul Eater, Haikyuu, Psycho-Pass, Goblin Slayer e mais.

Por fim, Fábio Lucindo é ator, dublador, diretor de dublagem, escritor e apresentador de televisão. Foi diretor de dublagem nos estúdios Álamo, Centauro, UniDub, DPN Santos e Vox Mundi, mas atualmente atua na TVGROUP. Ele ainda dublou Ash Ketchum, de Pokémon, até a 18ª temporada.

Também encarnou Arnold (Hey Arnold!), Bucky (Bucky), Syaoran (Sakura Card Captors), Kuririn (Dragon Ball), Kiba Inuzuka (Naruto), Takuya Kanbara (Digimon Frontier), Mega Man (MegaMan NT Warrior), Ichigo Kurosaki (Bleach), Killua Zoldyck (Hunter × Hunter), Shinji Ikari (Neon Genesis Evangelion), Ryoma Echizen (The Prince of Tennis), Katsuki Bakugou (My Hero Academia), Miroku (InuYasha), Tao Ren (Shaman King) e muitos outros personagens emblemáticos.

TecMasters: Tenho uma pergunta específica para o Fábio, pois essa dúvida me surgiu enquanto eu assisti ao filme: quero saber como foi dublar uma cadeirinha. Visualmente, ele não demonstra expressões, certo? Então como foi essa experiência?

Fábio Lucindo: Foi maravilhoso, foi brilhante na verdade porque em tese é mais fácil, [já que] ele não tem boca. Mas justamente esse ponto da sua questão enquadra também uma dificuldade. Mas faz parte do nosso trabalho. A gente tem a referência do original, né? A gente não está tão abandonado assim. E aí, se somar [a dublagem] original e a direção do Lucas, você chega em algum lugar, entendeu? Tecnicamente, a gente aumentou muito o ritmo porque era muito mais rápido e muito mais fácil. Não tinha tanta questão de procurar a movimentação da boca e posicionar a fala. [Foi] muito mais tranquilo, na verdade. Dá até um pouco mais de liberdade.

Imagem do filme Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Lucas Almeida: É aquilo, como é um filme de Makoto [Shinkai], extremamente detalhista, a gente leva muito mais tempo de fato na hora em que [os personagens] são humanos porque além da fala, são muitas micro reações. É quase uma rotoscopia o negócio. Então [o Souta, personagem do Fábio] vira, gagueja, mexe, abre a boca, mas não fala — só reage… Então são muitas coisas bem minuciosas e aí, na hora que entra a cadeirinha, é pura intenção e pura fantasia personificar a alma dele dentro daquela cadeira. E a cadeira é absurdamente expressiva. Não é qualquer cadeira. São três pernas e ela mexe pra lá, mexe pra cá, pula, vira, cai de frente… Tudo isso enriquece, dá uma vida [ao objeto] e faz a gente acreditar. O ritmo melhorou, realmente, pela falta de boca, mas a riqueza desses detalhes para dar vida a essa cadeira, foi bem preciosista, foi bem minucioso e muito legal.

TecMasters: Agora quero perguntar para todo mundo, mas principalmente para a Mayara: qual foi a cena que vocês mais gostaram do filme?

Mayara Stefane: Eu gostei do filme inteiro (risos)! Bom, eu amo todas as cenas do comecinho, em que a Suzume está confusa e perdida. Assistindo, eu amei as cenas do Serizawa [personagem do Lucas] com suas cantorias e tal. Mas gravando, eu amei uma das cenas finais. Não quero dar spoiler, mais é quando ela tem um encontro e rola algo importante. Essa parte, em específico, mexeu de um jeito comigo na dublagem que nunca tinha acontecido antes. Não sou tão antiga na [área de] dublagem como o Fábio, não tenho tanta experiência como você que está aí desde criança, mas eu nunca tinha tido a experiência de gravar uma cena e ela me derrubar emocionalmente. De eu chorar no meio da cena e isso ficar gravado, e eu ter que pedir um momento para sentar e chorar, porque eu não conseguia continuar. Eu nunca tinha vivido isso antes, então acho que essa foi a minha favorita, e eu criei um vínculo muito forte com essa cena.

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Lucas: As cenas que eu mais gosto são as cantorias do Serizawa. Eu fui caçar música por música depois e eu encontrei todas, e elas não saem mais da cabeça! Acho que das partes descontraídas, com certeza é essa. E das partes emocionantes, o final do segundo ato e o começo do terceiro, que é quando rola todo aquele segmento maior em Tóquio, o momento todo de resolução e trauma… A Mayara passando pela cena, gravando, me deixou muito emocionado. Aí o Fábio entrou para gravar, passou pela mesma cena, eu fiquei emocionado de novo. Com a Agatha [Paulita, que dubla o gato Daijin], aconteceu a mesma coisa. Assistindo depois nos cinemas, mesmo já sabendo tudo que vai acontecer, não tem uma vez que essa cena não me pega. É muito forte!

Fábio: Vou também separar nesses dois momentos. E é difícil falar sem dar spoiler, né? (risos) Mas bom, já contamos que tem cadeira. A primeira sequência da cadeira, que é uma perseguição e passa por vários cenários, começa uma trilha que te faz querer levantar, correr junto, um negócio bizarro! Eu destacaria esse momento. E de dramaticidade… são vários momentos em que eles cumprem a função deles. Todos os momentos de ápice, que fica a dúvida se vai dar ou não vai dar, e te faz prender a respiração… e isso se repete algumas vezes no filme. Não é repetitivo, mas é mais do mesmo e é muito diferente, e cada vez mais intenso. E tudo é muito colorido, muito bonito… Enfim, acabei destacando o filme inteiro.

TecMasters: Aproveitando que vocês estão falando aí das cenas, eu queria pegar o gancho do Lucas, de quando ele falou das cenas que o Serizawa canta. É você mesmo cantando as músicas?

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Lucas: Na versão dublada, sou eu mesmo cantando as músicas. 

TecMasters: E agora, para todo mundo, queria saber se vocês se identificaram com algum personagem específico da trama ou com os personagens que vocês mesmos dublaram? E se isso aconteceu, em que sentido vocês se identificaram?

Mayara: Suzume, com certeza! (risos) Eu amei que  a Suzume não tem travas! Ela é muito boazinha, do tipo que está disposta a ajudar, mas se ela ver que o outro está fazendo alguma coisa fora, tipo quando a cadeirinha acha que pode se virar sozinha, e [a Suzume] só carrega ela. Tem uma outra hora, também logo no começo, quando ela vai fazer o curativo e ele diz que não precisa. [A Suzume responde]: ‘olha, se você não vai para o hospital, deixa pelo menos eu fazer um curativo em você. Que cara chato!’. (risos) Eu amo!  Eu sou muito assim, resolutiva. E ao mesmo tempo, [a Suzume] também é muito empática. Eu me identifiquei com esses pontos aí.

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Lucas: Do Serizawa, eu não me identifico 100% com o jeitão dele, mas toda a parte relaxado e despreocupado com a vida… ele leva a vida de uma maneira leve até demais! Tipo, quando o bicho tá pegando e ele continua tranquilaço. Todo mundo tomando chuva, correndo risco de pegar uma baita gripe, e ali ele quer só curtir a viagem. Então, toda essa vibe aí dele de não se apegar demais aos problemas, é muito do meu coração também, e é muito engraçado.

Fábio: Eu gosto muito do Daijin. Independente de identificação, o personagem me cativou e eu o persegui junto. Ele é muito carismático e meio provocador, engraçado… Particularmente, o desempenho da Agatha deixou um fofinho meio safado, que você fica na dúvida — ‘aí, eu amo odiar esse bichinho’… E também, o final dele me surpreendeu. Eu fiquei ruminando [depois de assistir], e o filme não acaba quando termina, sabe? E eu acho que muito disso é por causa desse personagem e da atitude dele. Ele me pegou.

TecMasters: Eu sei que vocês têm como base a dublagem original em japonês e tudo mais, mas se vocês tiveram alguma preparação, alguma coisa específica para vocês conseguirem encarnar esses personagens?

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Lucas: Bom, tiveram os testes. O teste foi o primeiro momento em que a gente teve um briefing do que era [o projeto]. Eu recebi o material e aí eu repassei para eles um pouco do que era a história, pois quando eu recebi os testes, eu também já estava com o filme, já o tinha assistido, então a gente correu para preparar tudo. O que eu dei para eles foi a sinopse e como é que era o personagem. Havia cenas muito específicas para gravar no teste, com textos bem diferentes, uma situação muito distinta, mas foi esse o primeiro contato que a gente teve pré-gravação. 

Mayara: A única coisa que eu fiz para que ficasse muito mais próximo do original, é que eu tenho uma mania de falar muito mais alto. E eu senti que no original a Suzume falava tudo bem baixinho, quase sussurrando, em vários momentos. Ela tinha uma voz mais soprosa. Então, para me aproximar disso e alcançar algo natural, eu pedi um retorno bem alto no meu ouvido para que eu tivesse mais controle do que eu tava fazendo, e que se aproximasse mais daquilo que eu tava ouvindo. Isso me ajudou bastante.

Fábio: No meu caso o diferencial foi esse — teve um teste. Não é a maioria dos trabalhos que a gente faz que tem teste, muito pelo contrário. Então esse fato já dá uma outra visão. Normalmente os diretores dão um briefing do trabalho, uma pincelada na história. Meio que não tem muito o que explicar, e a gente vai descobrindo junto [na gravação]. Mas não foi o caso. Foi um trabalho em que a gente ficou mais tempo falando do que fazendo… e o que eu acho que me ajudou muito é que [o Lucas] já tinha me falado muitas coisa no teste. Então, a gente aprofundou, a coisa se dilatou, mas ele me deu tudo no teste. Deu certo, foi aprovado. E aí na hora de gravar, eu meio que já sabia. A gente só revisou umas coisas e assistimos juntos. Acho que outros atores também receberam essas informações que eu recebi, o que é fantástico e não é comum.

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

TecMasters: Também quero saber se vocês viram os outros filmes do Makoto Shinkai e se vocês têm algum favorito.

Lucas: Assisti Your Name e O Tempo Com Você. Eu conheci [o Makoto Shinkai] através do Your Name e vi os filmes posteriores. Dos anteriores eu ainda preciso conhecer mais, confesso, mas meu sou muito fã da obra dele já por meio dessas obras mais recentes. Quando eu assisti Your Name, me cativou demais. O Tempo Com Você quando eu vi, achei lindo. Só que Your Name ainda era o meu preferido. Agora é Suzume, com certeza tirou esse posto, e não é nem porque eu trabalhei nele! É porque realmente é uma história nova, diferente, e muito mais forte em mensagens, em aprendizado, em riqueza de detalhes, do que todo o resto que ele já havia feito até então. 

Mayara: Your Name também me pegou muito, era o meu favorito sim, mas com toda certeza. Me fez chorar horrores, mas agora é Suzume, com certeza. 

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

Fábio: A minha resposta é um pouco parecida, só que o Your Name não me pegou muito. Eu quase dei uma pescada… mas acho bonito, só que é médio. O Suzume me pegou muito mais! E eu tenho curiosidade, não conheço o resto [dos trabalhos do Makoto]. Tem aquele Cinco Centímetros Por Segundo que, só pelo título, eu quero ver! Só esse título já me cativou. 

TecMasters: Se existisse uma porta mágica que nem a da Suzume, para onde vocês gostariam de ir quando a atravessassem?

Lucas: Olha, Jessica… eu acho que eu gostaria, sim, de conhecer O Todo Sempre, pelo que acontece ali. E eu gostaria de encontrar também algumas coisas que eu não posso falar, pois são spoilers do filme. Mas com certeza, seria um aprendizado enorme. Eu acho que todo mundo precisa de um momento de autoconhecimento, de aprendizado, de maturidade, e são lições que esse filme proporciona até o fim, e que nos fazem ter vontade de experienciar o que eles estão experienciando lá. Esse sentimento ficou muito forte em mim. Eu pensei que se um dia tivesse essa oportunidade, com certeza, gostaria de ter sentido o mesmo que [os personagens do filme].

Mayara: Eu acho que O Todo Sempre… o jeito como ele é desenhado, parece ser um lugar tão lindo! Para qualquer lugar do mundo eu posso pegar um avião, mas uma porta mágica…? Eu ia querer O Todo Sempre, com certeza. Mas, claro, tendo a certeza que eu consigo voltar.

Lucas: É, é um lugar tão lindo quanto perigoso. (risos)

Fábio: A resposta da Mayara me contempla muito. Tipo, há lugares reais que dá para pegar um avião, claro, dadas às questões materiais, etc. Mas ir para um lugar fantástico, cara, uma realidade? Podia ser na Terra porque eu acho a Terra fantástica o suficiente. Mas onde? [Poderia ser um lugar] onde o imaginário humano não fosse sequestrado pelo capital, pela grana, pela competitividade, onde o outro é meu adversário… sabe? Uma coisa mais coletiva, de menos acúmulo sabe, mais participativa… talvez essa realidade. Se existisse [algo assim], talvez eu nem quisesse voltar. 

Imagem de Suzume

Imagem: Sony Pictures/Reprodução

TecMasters: Muito obrigada pela entrevista, foi um prazer conversar com vocês e parabéns pelo trabalho também!

Onde assistir Suzume?

O longa-metragem animado estreou em 13 de abril de 2023 no Brasil e tem 2h02m de duração. Você pode assisti-lo exclusivamente nos cinemas, atualmente.

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