Colocar fim às acusações contra Julian Assange, pedem editores e publishers do The New York Times, The Guardian, Le Monde, El Pais e Der Spiegel — veículos de mídia que publicaram uma série de revelações em cooperação com o WikiLeaks — ao governo dos Estados Unidos.

Carta em defesa de Assange

Imagem: divulgação/The New York Times

A data da publicação da carta marca os 12 anos – 28 de novembro de 2010 – que a cooperação fez manchetes em todo o mundo ao relevar corrupção, escândalos diplomáticos e assuntos de espionagem em escala internacional no caso conhecido como ‘Cablegate’, um conjunto de 251 mil cabos confidenciais do Departamento de Estado norte-americano vazado ao WikiLeaks pelo então soldado norte-americano Chelsea Manning.

“Esta acusação estabelece um precedente perigoso e ameaça minar a Primeira Emenda dos Estados Unidos e a liberdade de imprensa.

Responsabilizar os governos é parte da missão central de uma imprensa livre em uma democracia.

Obter e divulgar informações sensíveis de interesse público quando necessário é uma parte central do trabalho diário dos jornalistas. Se esse trabalho for criminalizado, nosso discurso público e nossas democracias se tornam significativamente mais fracas.

Doze anos após a publicação do ‘Cable Gate’, é hora de o governo dos Estados Unidos encerrar seu processo contra Julian Assange por publicar segredos.

Publicar não é um crime.”, diz a carta conjunta.

O jornalista australiano, hoje encarcerado na prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, luta contra extradição autorizada pelo governo britânico em junho. Anteriormente à prisão, Assange passou sete anos na embaixada equatoriana sob proteção diplomática para evitar extradição aos EUA.

Após a autorização anunciada pela secretária do Ministério do Interior Priti Patel, advogados do fundador do WikiLeaks apelam contra a decisão que poderá acarretar em 17 acusações de espionagem sob a Primeira Emenda, conhecida como Espionage Act (1917), o que pode levá-lo a 175 anos em uma prisão de segurança máxima.

As acusações e respectiva pena está ligada à publicação de centenas de milhares de documentos vazados que denunciam atrocidades cometidas pelos EUA, principalmente em relação às invasões ao Afeganistão e ao Iraque, durante a chamada guerra ao terror.

No entanto, como frisa a carta, a antiga lei de 1917 na qual o Departamento de Justiça recorre para punir Assange foi projetada para processar espiões potenciais durante a Primeira Guerra Mundial, nunca até então usada para processar uma editora ou emissora.

Em setembro do ano passado, o Yahoo News divulgou informações sobre planos da CIA de raptar ou assassinar o jornalista em 2017, ainda sob administração Trump. Houve discussão sobre “legalidade e a praticidade de tal operação”, com demandas de “esboços” ou “opções” de como matá-lo.

Segundo a reportagem, “as discussões sobre sequestro ou morte de Assange ocorreram ‘nos mais altos níveis’ da administração Trump. Parecia não haver limites”, disse um ex-funcionário sênior da contraespionagem.

Os planos multifacetados da agência também incluíam espionagem extensiva aos associados do WikiLeaks, semear discórdia entre os membros do grupo, e roubar seus dispositivos eletrônicos, de acordo com o portal.

Em agosto, um grupo de jornalistas e advogados processaram a CIA e seu respectivo ex-diretor Mike Pompeo, alegando que a agência de inteligência os espionaram em visitas a Assange enquanto ele estava asilado na embaixada do Equador, em Londres.

Em agosto, um grupo de jornalistas e advogados processou a CIA e seu ex-diretor Mike Pompeo por alegações que a agência de inteligência espionou quando eles visitaram Assange durante sua estada na embaixada do Equador em Londres.

Assange passou sete anos na embaixada antes de ser arrastado para fora e preso em 2019 por violar as condições de fiança. Ele permaneceu na prisão em Londres enquanto seu caso de extradição era decidido. Se extraditado para os Estados Unidos, ele enfrenta uma sentença de até 175 anos em uma prisão de segurança máxima americana.

Principais veículos de mídia internacionais saem em defesa de Julian Assange: 'publicar não é um crime'

Imagem: John Gomez/Shutterstock.com

Carta aberta enviada pelas organizações de mídia na íntegra

An Open Letter from Editors and Publishers: Publishing is Not a Crime

The U.S. government should end its prosecution of Julian Assange for publishing secrets.

Twelve years ago, on November 28th 2010, our five international media outlets – The New York Times, the Guardian, Le Monde, El Pais and DER SPIEGEL – published a series of revelations in cooperation with Wikileaks that made the headlines around the globe.

“Cable gate”, a set of 251,000 confidential cables from the US State Department disclosed corruption, diplomatic scandals and spy affairs on an international scale.

In the words of The New York Times, the documents told “the unvarnished story of how the government makes its biggest decisions, the decisions that cost the country most heavily in lives and money”. Even now in 2022, journalists and historians continue to publish new revelations, using the unique trove of documents.

For Julian Assange, publisher of Wikileaks, the publication of “Cable gate” and several other related leaks had the most severe consequences. On April 11th, 2019, Assange was arrested in London on a US arrest warrant, and has now been held for three and a half years in a high security British prison usually used for terrorists and members of organized crime groups. He faces extradition to the US and a sentence of up to 175 years in an American maximum security prison.

This group of editors and publishers, all of whom had worked with Assange, felt the need to publicly criticize his conduct in 2011 when unredacted copies of the cables were released, and some of us are concerned about the allegations in the indictment that he attempted to aid in computer intrusion of a classified database. But we come together now to express our grave concerns about the continued prosecution of Julian Assange for obtaining and publishing classified materials.

The Obama-Biden Administration, in office during the Wikileaks publication in 2010, refrained from indicting Assange, explaining that they would have had to indict journalists from major news outlets too. Their position placed a premium on press freedom, despite its uncomfortable consequences. Under Donald Trump however, the position changed. The DOJ relied on an old law, the Espionage Act of 1917 (designed to prosecute potential spies during World War 1), which has never been used to prosecute a publisher or broadcaster.

This indictment sets a dangerous precedent, and threatens to undermine America’s First Amendment and the freedom of the press.

Holding governments accountable is part of the core mission of a free press in a democracy.

Obtaining and disclosing sensitive information when necessary in the public interest is a core part of the daily work of journalists.  If that work is criminalised, our public discourse and our democracies are made significantly weaker.

Twelve years after the publication of “Cable gate”, it is time for the U.S. government to end its prosecution of Julian Assange for publishing secrets.

Publishing is not a crime.

 

The editors and publishers of:

  • The New York Times
  • The Guardian
  • Le Monde
  • DER SPIEGEL
  • El Pais

A correction was made on Nov. 29, 2022: An earlier version of this letter misstated the date of Julian Assange’s 2019 arrest. It was April 11th, not April 12th.

Alemanha, Austrália, Colômbia e Brasil fazem pressão diplomática ao governo Biden

A pressão também é diplomática para que as acusações contra o jornalista sejam retiradas. Em julho, o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese disse ao governo de Joe Biden para encerrar o processo contra o fundador do WikiLeaks e cidadão australiano Julian Assange.

“Eu levantei isto pessoalmente com representantes do governo dos Estados Unidos. Minha posição é clara e ficou clara para a administração dos Estados Unidos”: Que está na hora de encerrar este assunto”, disse Albanese ao Parlamento.

“Este é um cidadão australiano”, acrescentou Albanese. “Não tenho simpatia pelas ações do Sr. Assange em toda uma série de assuntos, mas … você tem que chegar a um ponto em que … continue esta ação legal que poderia ser apanhada agora por muitos anos no futuro”?

Assange já foi assunto entre Albanese e Biden diretamente, quando a dupla realizou uma reunião bilateral na época. Segundo o primeiro-ministro, ele havia defendido “recentemente em reuniões”.

No entanto, desde quando foi eleito em maio, Albanese tem sido discreto em relação às acusações de Assange. Quando o governo britânico aprovou a extradição em junho, houve resistência para uma exigência pública para que os EUA abandonassem a acusação.

O parlamento alemão também apelou a Joe Biden e ao governo britânico para que cessassem a iminente deportação de Assange – foram mais de 70 membros de quatro partidos políticos pela causa.

“Os jornalistas não devem ser perseguidos ou punidos por seu trabalho em qualquer parte do mundo”, escreveram os deputados do Bundestag em carta aberta. “No interesse da liberdade de imprensa, bem como por razões humanitárias em vista de seu estado de saúde precário, Julian Assange deve ser libertado sem demora”.

“Uma imprensa livre é um dos componentes fundamentais de toda e qualquer democracia”, escreveram os membros do Bundestag. “Estamos muito preocupados com o efeito dissuasor que a extradição e a condenação de Assange poderia ter sobre a liberdade de imprensa e o jornalismo de investigação em todo o mundo”.

Um dos signatários e porta-voz de direitos humanos do Partido Social Democrata de centro-esquerda (SPD), Frank Schwabe, disse em declaração à DW que “A situação é muito clara. Julian Assange não pertence a uma prisão, e ele certamente não deve ser deportado para um país onde é ameaçado com uma punição draconiana”. … Para mim, esta é uma questão de credibilidade de nossa importante compreensão mútua dos direitos humanos”.

Christian Mihr, chefe da filial alemã dos Repórteres sem Fronteiras, disse que esperava que o governo alemão levasse em conta a mensagem dos parlamentares. “Espero que o governo a reconheça … quando representantes eleitos enviarem um sinal tão forte, e que eles o levem a sério e se posicionem claramente para Joe Biden”, disse ele à DW.

O Brasil também tem enfatizado apoio à campanha para libertar o fundador do WikiLeaks por meio do recém-eleito presidente Luis Inácio ‘Lula’ da Silva.

Em uma visita ao país, Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do WikiLeaks, e Joseph Farrell, embaixador do WikiLeaks, foram recebidos por Humberto Costa, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, falaram em uma sessão plenária da Câmara com parlamentares para acordo sobre uma série de ações – incluindo uma carta que será apresentada a embaixada dos Estados Unidos em Brasília pedindo às autoridades americanas que retirem as acusações contra Assange.

Assange

Imagem: Katherine Da Silva/Shutterstock.com

WikiLeaks e Assange recebem (mais) prêmios

Desde que o WikiLeaks começou a chamar atenção produzindo manchetes em todo o mundo, editor e organização têm sido reconhecidas por diversas associações, grupos e premiações relacionados a diversos temas ligados à liberdade de imprensa, jornalismo, privacidade, mídia, direitos humanos, direito à informação entre outros.

Embora Assange esteja preso em Belmarsh e prestes a ser extraditado, o impacto do jornalismo e os assuntos de relevância e interesse público produzidos pelo WikiLeaks não deixaram de ser reconhecidas após o fundador da organização ter sido proibido de publicar.

Recentemente, Assange recebeu o Prêmio Weizenbaum de Paz e Responsabilidade Social deste ano por seu trabalho como “jornalista excepcional”, por seu “uso criativo da tecnologia” e por seus méritos e coragem. Sua esposa, Stella Assange, aceitou o prêmio em 22 de outubro, em seu nome.

Principais veículos de mídia internacionais saem em defesa de Julian Assange: 'publicar não é um crime'

Imagem: reprodução/Dont Extradite Assange

O prêmio leva o nome de Joseph Weizenbaum. O influente cientista da computação e ativista da paz, que faria 100 anos no próximo ano, recusou-se publicamente a trabalhar no desenvolvimento de elementos eletrônicos para sistemas de armas durante a Guerra do Vietnã.

No fim de novembro, o Prêmio Almudena Grandes para a liberdade de expressão foi concedido ao editor do WikiLeaks, e entregue pelo diretor do El País, Pepa Bueno.

“Julian é um prisioneiro político. O direito à verdade é um direito fundamental”. Os Estados Unidos transformaram o jornalismo em uma atividade criminosa”, disse Stella Assange, esposa de Assange.

“Vivemos em um mundo no qual é cada vez mais essencial defender a independência do jornalismo”. Não podemos nos comprometer a estar na posse da verdade, mas podemos nos comprometer a não mentir”, concluiu o poeta Luis García Montero, diretor do Instituto Cervantes e colunista do infoLibre, agradecendo ao Prêmio Almudena Grandes pela defesa do direito à informação, concedido a Julian Assange.

 

Com informações Associated Press, Reuters, The IndependentDeutsche Welle

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