“There’s no justice in following unjust laws” (“Não há justiça ao seguir leis injustas”, em tradução livre)

O trecho acima é parte de ‘Guerilla Open Access Manifesto‘ (‘Manifesto da Guerrilha do Livre Acesso‘, em tradução livre), escrito em 2008 pelo programador, hacktivista e defensor incansável da internet livre, Aaron Hillel Swartz, encontrado morto em seu apartamento no Brooklyn, em Nova York, há exatos dez anos.

Natural de Chicago e dono de uma mente crítica, inquieta e revolucionária, Swartz mudou a internet para sempre e lutou ferozmente contra a privatização do conhecimento como programador.

Em 11 de janeiro de 2013, encerrou a própria vida aos 26 anos, em claro sinal de protesto contra o injusto sistema o qual perseguiu até a morte.

“Aaron foi morto pelo governo, e o MIT quebrou todos os seus princípios básicos”, disse Robert Swartz no funeral do filho.

As palavras remetem à desproporcionalidade das acusações sofridas por Aaron Swartz, que usou de uma conta fornecida pela Universidade de Harvard, enquanto pesquisador na instituição, para realizar download massivo de milhões de artigos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento e revistas científicas de um repositório digital (JSTOR) via rede de computadores públicos do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Swartz era contrário às práticas da JSTOR, que cobrava pelo acesso ao material, limitando-o para finalidades acadêmicas.

A tentativa de socializar o conhecimento, publicando mais de 4 milhões de artigos científicos de acordo com a tese do open access movement, o coloca sob uma longa batalha judicial a partir de uma acusação de uma das maiores organizações de compilação e acesso pago a artigos científicos.

As ações de Swartz foram registradas por câmeras escondidas plantadas propositalmente, levando à prisão na noite de 6 de janeiro de 2011 pela polícia do MIT e agentes secretos dos Estados Unidos. A partir daí, é indiciado por cerca de dois anos por vários júris, acumulando acusações, exposições penais e multas, valor que atingiu US$ 1 milhão em setembro de 2012.

O Ministério Público Federal dos Estados Unidos, que acrescentou nove acusações criminais ao caso – responsável pelo aumento da exposição penal máxima para 50 anos, além da multa milionária –, pressionava o réu para que se declarasse culpado por 13 crimes federais, em troca, o órgão ofereceria a recomendação de uma sentença de seis meses em uma prisão de baixa segurança. No entanto, o acordo foi rejeitado por Swartz e o seu advogado.

Desde a prisão em 2011, Swartz foi acusado por arrombamento e invasão com intenção de cometer um crime, fraude eletrônica, fraude de computador, obtenção ilegal de informações de um computador protegido de forma imprudente e por danos a um computador protegido; invasão de domicílio com a intenção de cometer um crime, apropriação indébita e acesso não autorizado a uma rede de computadores.

O processo federal foi caracterizado por muitos críticos como uma “sobrecarga” de acusações e repressão de “excesso de zelo” por supostos crimes de computador.

Luta, liberdade e democratização do conhecimento: uma década sem Aaron Swartz

Memorial a Aaron Swartz. Imagem: Tantek, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado. Você vai se juntar a nós? – Guerilla Open Access Manifesto por Aaron Swartz

Acesso à informação e as liberdades civis: como Aaron Swartz ajudou a construir a internet

Embora tenha tido uma vida muito breve, o prodígio programador estadunidense se envolveu muito cedo com as questões que julgava essenciais para construção de um outro mundo, livre da ganância das corporações.

Os negócios da família aguçaram o interesse pela computação – o pai era dono de uma empresa de software, a Mark Williams Company, uma das primeiras a lançar um sistema operacional semelhante ao Unix –, levando o pequeno Aaron a estudar aspectos da internet e a cultura por trás dela.

Aos 12 anos, ele criou o The Info Network, uma enciclopédia colaborativa e amplamente creditada como precursora do Wikipédia. O projeto deu a ele o Prêmio ArsDigita para jovens criadores de “websites não comerciais, úteis, educacionais e colaborativos”, levando-o a conhecer o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a colocá-lo em contato com figuras experientes da internet. A partir daí, Swartz, que tinha apenas 14, dá início à construção de parte do seu legado, colaborando e pensando novos projetos focados em defender a cultura livre e ajudando a construir a internet como a conhecemos.

Da cofundação da rede social Reddit, ao desenvolvimento do formato do feed RSS da web e ao estabelecimento das bases técnicas da Creative Commons – “uma organização global sem fins lucrativos que permite o compartilhamento e a reutilização da criatividade e do conhecimento pelo fornecimento de ferramentas legais gratuitas” – sem mencionar os trabalhos com a implementação do Tor2web, um proxy ‘http’ dos serviços ocultos do Tor, desenhado para prover um acesso fácil através de um navegador básico; e os incansáveis esforços canalizados à distribuição de informações, desta vez, com a criação do Open Library em 2007, atualmente um projeto da organização Internet Archives.

Luta, liberdade e democratização do conhecimento: uma década sem Aaron Swartz

Lawrence Lessig e Aaron Swartz na festa de lançamento da Creative Commons na Conferência de Tecnologia Emergente da O’Reilly. Imagem: Rich Gibson, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

Entretanto, o jovem Swartz não só usava a programação computacional para protestar contra injustiças no mundo digital, ele também foi figura ativa em uma série de protestos contra o projeto de lei Stop Online Piracy Act (SOPA), cuja campanha era o de barrar o fechamento de sites inteiros, impedindo a comunicação plena com certos grupos. Ali nascia mais um dos seus inúmeros legados: o Demand for Progress, um site de petição online contra a emenda, reunindo pessoas com os mesmos propósitos, tornando possível a pressão popular concentrada aos membros do Congresso.

Luta, liberdade e democratização do conhecimento: uma década sem Aaron Swartz

Aaron Swartz discursa em protesto contra o polêmico projeto de lei SOPA. Imagem: Daniel J. Sieradski, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0>, via Wikimedia Commons

Embora aprovado por unanimidade, mesmo após tais esforços, um senador bloqueou o projeto. “Nós ganhamos essa luta, porque todo mundo foi o herói de sua própria história. Todo o mundo teve seu papel na salvação dessa liberdade fundamental “, disse Swartz à plateia no evento “Freedom to Connect 2012”.

Luta, liberdade e democratização do conhecimento: uma década sem Aaron Swartz

Swartz discursa no evento Freedom to Connect 2012. Imagem: Peretz Partensky, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

A série de protestos contra o SOPA, com a participação de inúmeros sites e da sociedade civil, foi descrito como o maior da história da internet pela organização Electronic Frontier Foundation, com 115 mil sites alterando suas páginas para chamar atenção à causa.

A breve trajetória do menino da internet, que ajudou a construir o ambiente acessado atualemente por 63% da população mundial, é contada no documentário premiado ‘The Internet’s Own Boy: The History of Aaron Swartz’ (2014) (‘O Menino da Internet: A História de Aaron Swartz’), dirigido por Brian Knappenberger (‘We Are Legion: The Story of the Hacktivists’, ‘The Trials of Gabriel Fernandez’, ‘Turning Point: 9/11 and the War on Terror’) e possibilitado por um financiamento coletivo no Kickstarter.

A tradução do documentário, em versão legendada não-oficial, é resultado de outro trabalho coletivo online. No YouTube, ‘The Internet’s Own Boy: The History of Aaron Swartz’ está disponível gratuitamente.

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