“Toda experiência humana é transformada em dados para gerar lucro”, resumiu o fundador da rede social mais popular do Brasil, ao definir a mecânica das grandes redes sociais surgidas após a era Facebook. Um dos convidados da Campus Party, que terminou nesta terça-feira (15) em São Paulo, Orkut Büyükkökten falou sobre a batalha por likes, guerra contra algoritmos e como criar relações mais humanas em detrimento dos números.

No lugar dos algoritmos que lideram a auditoria da credibilidade, Büyükkökten sugere resgatar princípios daquela rede social que fez sucesso no início dos anos 2000 — o Orkut. Para isso, ele quer usar da experiência, ao testemunhar a evolução das redes sociais nos últimos 20 anos, para fazer diferente, “construir algo melhor”.

Ao convidar a plateia para uma reflexão, o engenheiro turco se inspira no enredo de um longa do início dos anos 90, ‘A Sociedade dos Poetas Mortos’, como contraponto para o comportamento social ditado pelos algoritmos das mídias sociais. Hoje, a batalha diária por likes reduziu a experiência dos usuários a números e à pressão para corresponder às expectativas de outras pessoas, de estranhos.

Trata-se de influência, ou como Büyükkökten mesmo descreveu: “exclusivamente de lucro, não para criar melhor experiência do usuário”.

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Imagem: Gabriel Maciel/Campus Party

O que deu errado nas redes sociais que privilegiam os números de engajamento?

Há 13 anos, o botão “like” (curtir) era criado pelo Facebook, tornando-se posteriormente um ícone cultural. Ao lado do “compartilhar”, moldaram um novo conceito de rede social. Após 2009, todas as grandes mídias sociais que surgiram depois seguiram a mesma proposta. O lucrativo modelo de negócios, baseado em economia de dados, trouxe consequências desastrosas — para os usuários.

Ansiedade, depressão e até suicídios foram sintomas relacionados ao uso de mídias sociais em diversos estudos. No entanto, uma pesquisa de abril deste ano comprovou, pela primeira vez, o impacto negativo do Facebook na saúde mental de jovens. Mesmo cientes, apontam documentos internos vazados por denunciantes dessas empresas, proteger crianças e adolescentes suscetíveis aos transtornos não é uma prioridade.

Essas consequências, entretanto, não estão restritas apenas a essa faixa etária do público; ao programar algoritmos para assegurar que as postagens responsáveis por sentimento de raiva, como fake news, ganhem o topo do feed — seja para gerarem mais engajamento ou manter os usuários dentro da plataforma por mais tempo —, elas cruzam os limites do virtual.

“Todo plano é para manipular o que é visto, lido. Inteligências artificiais, que utilizam algoritmos, são responsáveis pelos feeds. O que as pessoas não sabem é que os algoritmos são otimizados para engajamento e para viralidade. E é essa otimização que faz com que as mídias sociais sejam absurdamente lucrativas, mas ao mesmo tempo, danosas se utilizadas incorretamente”, explica.

“Os botões deram as pessoas o poder de influenciar outras, se seus posts forem populares ou virais; como uma consequência inesperada, as conexões autênticas e significativas não importavam mais. Hoje, as relações se tratam apenas de números, números de engajamento, não mais de sentimentos humanos”, resume Büyükkökten.

Dilema

O lado obscuro (verdadeiro) das redes sociais já foi tema de diversos documentários e séries. Entre eles, ‘The Social Dilemma’ (‘O Dilema das Redes’) (2000), produzido pela Netflix e dirigido por Jeff Orlowski, examina como o design da mídia social alimenta o vício para maximizar o lucro e sua capacidade de manipular opiniões, emoções e comportamento das pessoas, e espalhar teorias conspiratórias e desinformação.

O longa, além de soar o alarme sobre a importância de enfrentar problemas como dependência, notícias falsas e aquecimento global, reúne autoridades no assunto que analisam consequências dos tentáculos do capitalismo de vigilância, termo cunhado pela pesquisadora destaque no documentário, Shoshana Zuboff.

Os personagens-chave, ex-executivos que foram responsáveis pela criação dessas ferramentas conhecidas e utilizadas diariamente por bilhões de pessoas ao redor do mundo, contam a verdade crua por trás de suas invenções.

Entre eles está o matemático Justin Rosenstein, criador do botão “curtir” do Facebook, que se referiu ao poder do sistema tendencioso criado propositalmente pelas redes sociais “como se tivéssemos menos controle sobre quem somos e no que acreditamos”.

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Imagem: Collision Conf, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

“Vivemos em um mundo no qual uma árvore vale mais, financeiramente, morta do que viva, em um mundo no qual uma baleia vale mais morta do que viva”. Enquanto nossa economia funcionar dessa maneira e as corporações não forem regulamentadas, elas continuarão a destruir árvores, a matar baleias, a extrair petróleo do solo, mesmo sabendo que está destruindo o planeta e que vai deixar um mundo pior para as gerações futuras”. Isto é pensar a curto prazo com base nesta religião do lucro a todo custo, como se, de alguma forma, magicamente, cada corporação agindo no seu interesse egoísta fosse produzir o melhor resultado. Isto vem afetando o meio ambiente há muito tempo. O que é assustador, e o que esperamos seja a última gota que nos fará acordar como civilização para o quão errada esta teoria tem sido em primeiro lugar, é ver que agora nós somos a árvore, nós somos a baleia. Nossa atenção pode ser minada. Somos mais lucrativos para uma corporação se estivermos passando o tempo olhando para uma tela, olhando para um anúncio, do que se estivermos passando esse tempo vivendo nossa vida de uma maneira rica. E assim, estamos vendo os resultados disso. Estamos vendo corporações usando poderosa inteligência artificial para nos enganar e descobrir como atrair nossa atenção para as coisas que elas querem que olhemos, em vez das coisas que são mais consistentes com nossos objetivos, nossos valores e nossas vidas”.

Uma nova rede social e carpe diem

Embora não tenha data para lançamento, o fundador do Orkut, rede social criada em janeiro de 2004 e desativada uma década depois, em 30 de setembro de 2014, afirmou que a proposta da nova rede combina todos os aprendizados que teve das últimas duas décadas. Entretanto, Büyükkökten é cauteloso mesmo com a reaproximação dos princípios do antigo projeto. “Não posso dizer oficialmente que o Orkut está voltando”, afirmou em entrevista ao G1.

Aos “valores do Orkut.com”, o engenheiro cita como princípios o afeto, gentileza, amor, compaixão, união e paixões. No Orkut, os usuários falavam do que elas eram apaixonadas, tinham conversas e se divertiam com isso. “Eu acredito que o que nos conecta é o que nós temos em comum.”, completa.

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Imagem: Gabriel Maciel/Campus Party

Nas palavras do palestrante, a mensagem eternizada pelo professor Keating — “Carpe diem. Aproveite o dia. Façam suas vidas extraordinárias” —, vivido por Robin Williams, é uma resposta para os nossos medos “de fazer a coisa errada e se comportar da maneira inadequada, seja em nossa sociedade e nas mídias sociais” e para levar “uma vida segundo os interesses únicos de cada pessoa” — algo esquecido nas redes sociais atuais.

Em uma década de existência, o Orkut ultrapassou a marca dos 300 milhões de usuários em todo mundo; com foco inicial nos Estados Unidos, a plataforma afiliada ao Google acabou se tornando preferida entre brasileiros e indianos, responsáveis por 73,9% do seu tráfego. Ao longo da história, a rede social também enfrentou problemas ligados a perfis falsos, grupos de ódio, censura e falhas de segurança cibernética.

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