Para os familiarizados com o movimento Open Source, Bruce Perens dispensa apresentações. Um dos fundadores da iniciativa junto a Eric Raymond e uma das figuras mais proeminentes do cenário Open Source atualmente, disse em entrevista estar pronto para o que chamou de movimento Pós-Open Source.

'Código aberto falhou completamente em atender pessoas comuns', diz cofundador do movimento Open Source

Imagem: Friprog, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

Ao The Register, Perens, que tem longa trajetória ligada ao movimento do software livre, ocupando cadeiras importantes como líder do projeto Debian GNU/Linux, não só teceu críticas à proprietária da Red Hat, empresa norte-americana que oferece serviços baseados no sistema operacional Linux e softwares de código aberto, mas disse estar pronto para um novo horizonte do que ajudou a criar nas últimas três décadas.

“Escrevi artigos sobre isso e tentei montar uma licença de protótipo”, explica o programador e autor principal do manifesto Open Source. “Obviamente, preciso da ajuda de um advogado. E, em seguida, a próxima etapa é buscar o dinheiro do subsídio.”

Problemas para resolver e reflexões sobre o Open Source

Embora Perens já esteja trabalhando para construir o que pode vir a ser um substituto do movimento, o pioneiro do Open Source não deixou de fazer apontamentos dos vários problemas urgentes que a comunidade do Open Source precisa resolver. “Em primeiro lugar, nossas licenças não estão mais funcionando”, disse Perens. “Já tivemos tempo suficiente para que as empresas descobrissem todas as brechas e, portanto, precisamos fazer algo novo. A GPL não está em exercício como deveria quando um terço de todos os sistemas Linux pagos são vendidos com uma evasão da GPL. Esse é o RHEL”.

No trecho, ele se refere à Red Hat Enterprise Linux, que em junho parou de disponibilizar o código-fonte conforme exigido pela GPL. “Eles não são mais a Red Hat, são a IBM”, leia-se em uma nota escrita por Perens e compartilhada com o The Register.

“E é claro que eles pararam de distribuir o CentOS, e por muito tempo eles fizeram algo que eu acho que viola a GPL, e meu caso de difamação [Brad Spengler e sua empresa Open Source Security (OSS) processaram Perens por uma postagem no blog em junho de 2017, na qual ele opina sobre o Grsecurity — aprimoramentos de segurança do kernel do Linux da OSS —, afirmando que poderia expor os clientes a uma possível responsabilidade sob os termos da Licença Pública Geral (GPL)] foi sobre outra empresa fazendo exatamente a mesma coisa: eles dizem que se você é um cliente RHEL, você não pode divulgar a fonte GPL para patches de segurança que a RHEL faz, porque eles não permitirão que você seja mais um cliente”, escreveu.

Logo da IBM

Foto: Carson Masterson/Unsplash

“Os funcionários da IBM afirmam que ainda estão fornecendo patches para o projeto de código aberto upstream, mas é claro que eles não são obrigados a fazer isso. Isso vem acontecendo há muito tempo, e apenas o fato de a Red Hat ter feito uma distribuição pública do CentOS (essencialmente uma versão sem marca do RHEL) tornou isso tolerável. Agora a IBM não está mais fazendo isso. Portanto, sinto que a IBM conseguiu tudo o que queria da comunidade de desenvolvedores de código aberto agora, e nós recebemos algo como um dedo do meio deles. Obviamente, o CentOS também era importante para as empresas, e elas estão correndo atrás das asas na adoção do Rocky Linux. Eu gostaria que eles adotassem um derivado do Debian, mas tudo bem. Mas temos uma série de palhas nas costas do camelo do código aberto. Será que uma delas vai quebrá-lo?”, acrescia à nota.

O próximo passo do código aberto é mais complexo

Além da crítica à subsidiária da IBM, Perens também faz uma revisão da trajetória da comunidade de software de código aberto na última viagem à China para a conferência Bench 2023.

“É que o código aberto falhou completamente em atender à pessoa comum. Na maioria das vezes, se elas nos usam, o fazem por meio de sistemas de empresas de software proprietário, como o Apple iOS ou o Google Android, que usam o código aberto para a infraestrutura, mas os aplicativos são, em sua maioria, proprietários. A pessoa comum não conhece o código aberto, não conhece as liberdades que promovemos e que são cada vez mais do seu interesse. Na verdade, o código aberto é usado hoje para vigiá-las e até mesmo oprimi-las”, escreveu o programador.

Embora o intuito do movimento tenha falhado em promover a proposta para o qual foi criado, nem tudo está condenado, mesmo que o próximo passo seja um pouco mais complexo do que o código aberto, segundo ele. Ao mesmo tempo, resgatar as lições dos 50 anos de Software Livre e as três décadas após o primeiro anúncio do Open Source poderão alicerçar o movimento repaginado.

“Não está na hora de darmos uma olhada no que estamos fazendo e ver se podemos fazer melhor? Bem, sim, mas precisamos preservar o código aberto ao mesmo tempo. O código-fonte aberto continuará a existir e a fornecer as mesmas regras e o mesmo paradigma, e o que vier depois do código-fonte aberto deverá ser chamado de outra coisa e nunca deverá tentar se passar por código-fonte aberto. Até agora, eu chamo isso de Pós-Open”, conta Perens.

Python Open Source

Imagen: Artturi Jalli/Unsplash

De acordo com a definição criada, o Pós-Open (ou Post-Open) é um pouco mais complexo se comparado ao código aberto, uma vez que exige remuneração das empresas parasitas do código aberto que não participam do custeio deste trabalho, embora usufruam dele.

Ele propõe o relacionamento corporativo com os desenvolvedores para garantir que essas empresas paguem um valor justo pelos benefícios que recebem. Em um processo simples de conformidade anual, as empresas obteriam todos os direitos necessários para usar o software pós-aberto, além disso, financiariam desenvolvedores que seriam incentivados a escrever software que pudesse ser usado por pessoas comuns, em vez de especialistas técnicos. Quanto à Licença Pública Geral (GPL), Perens acredita que ela é insuficiente para as necessidades atuais, defendendo os termos contratuais obrigatórios.

Já na política voltada para indivíduos e organizações sem fins lucrativos, o uso permaneceria gratuito e implicaria em apenas uma licença.

Pague os desenvolvedores de código aberto

Ao falar do papel das grandes empresas nesta nova etapa para o código aberto, Perens aponta possíveis soluções que colocariam o trabalho dos desenvolvedores a serviço das pessoas comuns. “Grande parte do software é orientada para que o cliente seja o produto – eles certamente são muito vigiados e, em alguns casos, sofrem abusos”, diz ao apontar para aplicativos populares da Apple, Google e Microsoft. Portanto, é um bom momento para o código aberto realmente fazer coisas para pessoas normais”.

Entretanto, por que isso ocorre? Para o pioneiro do Open Source, isso se deve a tendência dos desenvolvedores de código aberto em escrever códigos para si mesmos e para aqueles que são igualmente adeptos da tecnologia.

Uma forma para quebrar esse comportamento, argumenta ele, é pagar aos desenvolvedores, para que eles tenham apoio para dedicar tempo à criação de aplicativos fáceis de usar. A conta paga pelas empresas teria os fundos distribuídos de acordo com quem contribuiu, com quê e com quais produtos por meio de software que instrumenta o GitHub. A Merico, como cita Perens, é uma das empresas que oferece esse tipo de software.

Embora a ideia por trás do Post-Open tenha alta probabilidade de sucesso, o entrevistado reconhece que há muitos obstáculos práticos que precisam ser superados: por exemplo, encontrar uma entidade aceitável para lidar com as medições e a distribuição de fundos, além da elaboração de acordos financeiros atraentes para um número suficiente de desenvolvedores de código aberto.

“E tudo isso tem que ser transparente e ajustável o suficiente para que não se bifurque de 100 maneiras diferentes”, ele pondera. “Então, essa é uma das minhas grandes perguntas. Isso pode realmente acontecer?”.

Inteligência artificial: plágio e preocupação ética

Além disso, Perens também comentou seu ponto de vista acerca da inteligência artificial, tecnologia que cada vez mais substitui humanos em postos de trabalho. Para ele, a IA é inerentemente plagiária e levanta preocupações éticas sobre a compensação dos criadores de conteúdo original.

“Quando você treina o modelo, está treinando o modelo com material protegido por direitos autorais de outras pessoas. E o que a IA faz é misturar e combinar e produzir uma combinação do que foi inserido. Temos que levar isso em consideração. Como compensar as pessoas cujos dados foram usados para treinar o modelo? Deveríamos treiná-lo com software de código aberto? Acho que não. Mas ele faz mais do que isso. Ele lê os sites das pessoas. Ele lê toda a Wikipedia. Ninguém no lado da entrada está sendo compensado de forma justa pelo resultado. Portanto, essa é uma grande questão que temos que resolver.”, diz ele.

'Código aberto falhou completamente em atender pessoas comuns', diz cofundador do movimento Open Source

Imagem: ktsdesign/Shutterstock.com

Nesse contexto, ao falar das relações entre EUA e China, ele pondera, pedindo por uma abordagem mais civilizada e cooperativa para o compartilhamento de tecnologia.

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