Um juiz britânico do Tribunal de Magistrados de Westminster formalizou na manhã desta quarta-feira (20) a extradição de Julian Assange aos Estados Unidos para enfrentar acusações de espionagem. A emissão da ordem encerra todas as etapas da longa batalha judicial, devolvendo o caso à administração Boris Johnson, na qual caberá à secretária Priti Patel, do Ministério do Interior, a decisão final.

O fundador do WikiLeaks, que se juntou virtualmente à breve sessão administrativa de apenas sete minutos, ainda tem vias legais de recurso. A partir desta quarta, os advogados do jornalista têm quatro semanas para apresentar alegações a Patel, além de poder tentar apelar ao Supremo Tribunal.

Juiz aprova extradição de Assange aos EUA; decisão final cabe ao governo britânico

Da esquerda para a direita, Edward Snowden, Julian Assange e Chelsea Manning. Projeto “Anything to Say” (Algo a Dizer) de artista italiano Davide Domino homenageia “três heróis contemporâneos que perderam a liberdade pela verdade”. Imagem: K I Photography/Shutterstock.com

De acordo com Mark Summers, advogado do jornalista preso em Belmarsh, não havia opção para levantar novas evidências senão enviar o caso à secretária do Interior. Entretanto, com “novos desenvolvimentos”, Summmers disse que seriam feitas “sérias alegações” à secretária sobre “sentenças e outros assuntos”.

A luta do governo norte-americano para extraditar o australiano é longa, além de ter envolvido outros países como a Suécia. A perseguição ao jornalista começou quando, há mais de uma década, segredos militares estadunidenses vazados por denunciantes, como Chelsea Manning, foram publicados pela organização WikiLeaks em parceria com veículos de mídia internacionais como The New York Times, The Guardian, El País, Der Spiegel e Le Monde.

Antes de ser arrastado por guardas britânicos autorizados pelo presidente equatoriano, o jornalista passou sete anos preso na Embaixada para evitar a extradição à Suécia, onde era acusado de cometer crimes sexuais; mais tarde, as acusações foram retiradas por falta de provas.

Juiz aprova extradição de Assange aos EUA; decisão final cabe ao governo britânico

Imagem: Katherine Da Silva/Shutterstock.com

Em solo estadunidense, Assange pode responder a 17 acusações de espionagem sob a Primeira Emenda, conhecida como Espionage Act (1917), o que pode levá-lo a 175 anos de prisão.

EUA maximizam pressão sobre governo britânico; decisão do caso vem em má hora para administração Johnson

Aliado histórico dos Estados Unidos, o governo britânico deve enfrentar pressão ainda maior nas próximas quatro semanas, uma vez que a decisão final caberá à secretária do interior.

A tentativa de julgar Assange para além do Atlântico parece ter virado uma questão de honra para o Departamento do Estado Americano, que passou 2021 gastando todos os recursos possíveis para convencer a opinião da justiça britânica de que a vida do jornalista não estará em risco em solo norte-americano.

O pedido de extradição, que está nas mãos de Patel, foi autorizado pelo seu antecessor, o ex-secretário do Interior Sajid Javid, que atualmente ocupa o cargo de Secretário Nacional de Saúde do gabinete de Boris Johnson, em junho de 2019.

Conhecida pelo radicalismo contra imigrantes ilegais, o atual momento da premiê não é um dos melhores. Ao mesmo tempo em que tem que deliberar um caso que mobiliza a imprensa e entidades internacionais, Patel também vive o seu maior desgaste político desde o escândalo das festas realizadas na sede do governo, algumas com a presença de Boris Johnson.

Boris Johnson

Imagem: UK Prime Minister/Twitter

Esta semana, o primeiro-ministro britânico enfrentou o Parlamento pela primeira vez após ele e a mulher serem multados pela Scotland Yard, com pedido de desculpas rechaçado pela oposição. O fato desencadeou as investigações iniciadas nesta quinta-feira (21) a pedido dos legisladores britânicos, após uma deliberação das declarações de Johnson quanto ao seu desconhecimento a respeito das festas, em que ele e sua equipe violaram as regras de lockdown.

Defesa de Assange

Manifestantes em defesa do jornalista se reuniram nesta quarta em frente ao tribunal, no centro de Londres. A mobilização que começou imediatamente após a sessão contou com entidades como a Anistia Internacional.

De acordo com a declaração da entidade defensora da liberdade de imprensa e expressão, o Reino Unido estará desrespeitado a legislação internacional dos direitos humanos caso Assange seja extraditado por quaisquer outros meios aos Estados Unidos.

Uma petição online também foi lançada pela organização Repórteres Sem Fronteira (RSF) pedindo à Priti Patel que rejeite a extradição de Assange. “O RSF pressiona o governo britânico a priorizar os princípios da liberdade de expressão e a defesa do jornalismo em seu tratamento de Assange, e a agir de acordo com a lei britânica e as obrigações internacionais do país em matéria de direitos humanos.”, diz a página da petição, que recebeu 94.176 assinaturas.

Além disso, Assange conta com muitas lideranças da oposição engajadas na defesa. É o caso de Jeremy Corbyn, do partido trabalhista, que comandou a agremiação até o ano passado e concorreu ao cargo de primeiro-ministro. Corbyn diz esperar que Patel reconheça a “enorme responsabilidade” de defender a liberdade de expressão, o jornalismo e a democracia e liberar Assange. “Ele não fez mais do que falar ao mundo sobre planejamento militar, políticas militares e os horrores das guerras no Afeganistão e no Iraque, e eu acho que ele merece ser agradecido”, disse ele aos repórteres.

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Além de vários prêmios pelo trabalho jornalístico, WikiLeaks também foi nomeado para o Prêmio Mandela da ONU em 2015 e ao Prêmio Nobel da Paz sete vezes (2010-2015, 2019). Imagem: @DEAcampaign

Apoiadores e advogados do fundador do WikiLeaks argumentam que ele estava agindo como jornalista ao publicar documentos que expuseram crimes militares dos Estados Unidos nas invasões ao Iraque e Afeganistão, portanto, com direito à proteção da liberdade de expressão assegurada pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana. O caso, segundo eles, é motivado politicamente.

A equipe de Assange também tenta lutar contra a extradição iminente e defender a liberdade de imprensa por meio de campanhas e petições. Apoiadores e simpatizantes pela causa podem fazer doações ou tomar alguma ação — enviando um e-mail a Boris Johnson e Priti Patel, assinar à petição pedindo a rejeição da extradição à secretária do Interior, doar à campanha de crowdfunding para ajudar a financiar os gastos com a defesa do Julian Assange, ou enviar e-mail ao deputado (no caso de cidadãos britânicos) pedindo intervenção no caso.

Juiz aprova extradição de Assange aos EUA; decisão final cabe ao governo britânico

Imagem: Assange Defense

Transtorno mental e planos para sequestrar e matar

Em fevereiro do ano passado, a justiça concedeu aos EUA o direito de recorrer em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico apontando o risco de suicídio de Assange.

Como resposta, os advogados do Departamento de Estado apresentaram garantias com objetivo de atenuar o risco de suicídio, como a promessa de não ficar sob regime especial de isolamento de segurança máxima. Na época, a companheira do jornalista, Stella Moris, disse que tais garantias não eram suficientemente confiáveis e poderiam ser revogadas a qualquer momento.

Em adição, Edward Fitzgerald, um dos advogados de Assange, disse na época que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” do juiz distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.

Em outubro, o advogado disse que a juíza Vanessa Baraister fez em janeiro um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, no qual “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”. “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”, disse Fitzgerald ao tribunal.

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Imagem: Cancillería del Ecuador, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0>/Wikimedia Commons

Além da fragilidade mental, outro fundamento da defesa foi trazido à sessão de outubro: as revelações inéditas publicadas pelo site de notícias Yahoo! em setembro a respeito dos planos da administração Trump de sequestrar e matar Assange em 2007, época em que estava asilado na embaixada equatoriana em Londres.

De acordo com a apuração do portal, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e viabilidade de uma operação para retirar o jornalista do local. ‘Esboços’ de formas para assassinar Assange foram solicitados por altos funcionários da CIA em conluio com a administração da época. Segundo um ex-oficial da contra-espionagem, as discussões sobre o sequestro e possível assassinato ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump.

Mesmo diante do fato apresentado, a defesa não teve sucesso ao tentar convencer a Suprema Corte de que Assange não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo. Em dezembro, o Departamento de Estado dos EUA consegue revogar a decisão do tribunal inferior apenas com as promessas do país de tratá-lo humanamente, abrindo caminho para a extradição.

Casamento na prisão

No último dia 23, Julian Assange casou-se na prisão de segurança máxima de Belmarsh com Stella Moris, com quem tem dois filhos.

Em uma cerimônia bastante restrita com apenas quatro convidados da família e os filhos, fotografada por guardas penitenciários, ativistas fizeram uma festa do lado de fora.

Em um vestido desenhado pela estilista britânica Vivienne Westwood, apoiadora do fundador do WikiLeaks, Moris cortou o bolo sozinha, sem a presença de Assange. “Eu estou muito feliz… e muito triste”, iniciou ela. “Vocês sabem o que estamos passando é cruel e desumano”, disse emocionada aos apoiadores e à imprensa que aguardavam a noiva do lado de fora da prisão.

 

Atualizado em 21/04 com informações sobre investigações da Câmara dos Comuns 

Com informações de The Guardian, Independent, Forbes, MediaTalks e Reuters

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