Vários desenvolvedores da Ubisoft estão extremamente infelizes com a decisão da empresa em adicionar NFTs aos seus games. Tão infelizes que até o sindicato que os representa publicou uma carta para a empresa. Os NFTs (tokens não-fungíveis) são itens digitais únicos autenticados em blockchain.

Outras empresas de games AAA, como a EA, já mostraram interesse em tecnologias como blockchain, NFTs e criptomoedas. Já plataformas tradicionais para gamers, como Discord e Steam, enfrentaram controvérsias e até banimento de games com esses recursos.

O lançamento da plataforma Quartz

A Ubisoft lançou a plataforma Quartz, com NFTs integrados ao game Tom Clancy’s Ghost Recon Breakpoint. São acessórios digitais com números de série que incrementam o visual do personagem. O vídeo no Youtube de lançamento foi rejeitado mais de 70.000 vezes por espectadores do canal da Ubisoft e foi tirado da listagem pública.

Os comentários dos desenvolvedores da Ubisoft foram vistos na rede social interna, MANA, e enviados para o Kotaku, que não revelou as fontes. Os funcionários dizem que não entendem o motivo dos NFTs, outros resistem à ideia de começar a integrar NFTs nos games em que trabalham.

“Ainda não entendo o ‘problema’ que está sendo resolvido aqui”, escreve um funcionário. “Vale a pena a publicidade (extremamente) negativa que isso irá causar?”. Outro pergunta: “como é possível olhar para propriedade privada, especulação, escassez artificial, e egoísmo, e dizer ‘sim, isso é bom, quero isso, vamos colocar isso em arte’?”.

Um terceiro teria ainda dito: “tento ser positivo com os anúncios da empresa mas esse realmente é pertubador”. Há ainda preocupações com o grande consumo de energia necessário para minerar criptomoedas. Isso a despeito de a Ubisoft ter escolhido a blockchain Tezos, que tem uma tecnologia que gasta muito menos energia que outras.

Game poderia virar espaço para “farming” de NFTs

Desenvolvedores expressaram ainda que o lançamento é vazio, cheio de jargões sem sentido e um desastre de mídia para a empresa, que já tem problemas de reputação. A Ubisoft passou por escândalos de assédio moral e sexual em 2020.

O lançamento da Quartz levou quatros anos mas a Ubisoft mal começou a trabalhar com NFTs. Além da oferta em um só game, há itens específicos muito criticados, como um capacete dedicado a quem gastar mais de 600 horas no game.

Há uma preocupação de que itens como o capacete façam com que o game sirva para “farmar” NFTs, com bots jogando para ganhar itens. Uma consequência seria a Ubisoft colocar bots com usuários ativos reais e inflar indevidamente como sucesso games feitos para “farming”.

Os itens digitais do game ainda não são vendidos por dinheiro. Podem ser usados mas não dão vantagens especiais além da mudança no visual. Funcionam mais como troféus para fiéis ao game por serem edições limitadas. Os jogadores poderão revendê-los no futuro, classificando o game da Ubisoft de “play to earn” (“jogue para ganhar”).

Para piorar a situação da Ubisoft, o presidente do sindicato Solidaires Informatique, que representa os trabalhadores da Ubisoft Paris, publicou uma carta em francês criticando a iniciativa.

O vice-presidente do laboratório de inovação estratégica da Ubisoft publicou um artigo em 2 de dezembro em que diz que a tecnologia blockchain mudará tudo, mas apenas se feita da maneira certa e com jogadores no centro do planejamento. Sobre a carta do sindicato e a reclamação dos funcionários, a Ubisoft não deu resposta à imprensa.

A carta do sindicato à Ubisoft

“Ubisoft e NFT

A Ubisoft entrou recentemente no mercado blockchain e NFT. Uma decisão que foi muito criticada por nossos jogadores, que não traz melhorias ou benefícios aos nossos games.

Muitos de nós, na empresa, nos sentimos do mesmo modo e dissemos que blockchain é danoso, sem valor e sem futuro.

O que os NFTs trazem aos games? Nada!

Deixando de lado a parte técnica, essa chamada inovação tecnológica é apenas um certificado de propriedade ao qual é associado um valor monetário abstrato cujo valor flutua em um mercado externo.

Trata-se apenas de investimento financeiro com um nome diferente.

Você gosta de dividendos, subprimes, derivativos financeiros, crises, especulação, investimentos instantâneos, lavagem de dinheiro etc.? Essa é a promessa certa implícita do NFT. Estamos longe da diversão dos games.

Apesar de vários anos de planejamento, as mentes brilhantes que lideram a inovação e a estratégia do grupo não parecem entender o futuro do blockchain.

Ao multiplicar as restrições de uso, o grupo afirma que quer limitar a comercialização do NFT (esquece que a natureza do NFT evita que tais limites seja colocados, a não ser marginalmente).

Com essas limitações, essa tecnologia torna-se apenas uma simples comercialização entre jogadores. Uma funcionalidade que tem existido na competição há anos.

A inovação do blockchain é fazer o mesmo mas usando energia ineficientemente.

Todos esses problemas têm sido questionados e denunciados internamente. As mentes brilhantes que lideram a inovação e estratégia do grupo decidiram, como sempre, ignorá-los. A riqueza produzida pelos funcionários é, mais uma vez, reinvestida em estratégias absurdas.

Quando questionada, a direção evita as respostas.

“A Ubisoft Quartz não poderia ser feita sem tecnologia blockchain?

A tecnologia descentralizada blockchain permite que vamos além das atuais limitações e criemos os fundamentos de um ecossistema ambicioso. Uma plataforma que traz novos benefícios e possibilidades tanto para jogadores quanto criadores em um ambiente seguro: deixe sua marca em seu game favorito e seja recompensado por seu engajamento, tenha itens que irão além das fronteiras do ecossistema Ubisoft, experimente mais controle sobre seus itens e venda se quiser, e muito mais.”

Ou: explique isso com uma pedagogia e explicações que convençam seus empregados.

Nós não queremos explicações.

Nós já entendemos do que se trata essa tecnologia. Estamos opostos à ela por convicção.

No momento desta publicação, soubemos que o sr. Guillemot irá intervir no estúdio para defender a funcionalidade em pessoa, iluminando com sua mente brilhante os cantos obscuros da estratégia que meros empregados não conseguem perceber.

Questionado por jornalistas sobre a quantidade potencial de criptomoedas em poder dos executivos da Ubisoft na rede Tezos (tecnologia blockchain usada), a empresa não dá nenhuma resposta.

Incompetência, malícia ou simplesmente atraso na resposta? A dúvida é permitida quando nos lembramos da complacência e da proteção que o grupo já deu a criminosos financeiros no passado.

Nossos jogadores merecem mais que uma tecnologia inútil, custosa e pavorosa ecologicamente que os faz alvo do capitalismo mais desregulado.

Pois a monetização de tempo de jogo do usuário é um futuro de miséria. Queremos que a liderança do grupo pare com o desenvolvimento dessa tecnologia.”

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