Harry Potter é uma franquia mundialmente aclamada. Muitos jovens – que hoje são adultos -, cresceram acompanhando a saga do bruxo que dá nome aos livros e como ele passou de um órfão para a única esperança dos bruxos contra o temível Voldemort.

Por conta disso, o anúncio de Hogwarts Legacy deixou muitas pessoas animadas, já que se trata de um RPG de mundo aberto baseado na aclamada série de livros. No entanto, diversas pessoas sentiram o gosto amargo de reviver uma saga com tantas problemáticas – e, inclusive, sugeriram um boicote ao game.

Isso porque a história que muitos admiram, tem como criadora uma pessoa com atitudes que ferem diretamente uma parcela da comunidade LGBTQIAP+. As grandes polêmicas de JK Rowling não estão intrínsecas em suas obras e nem foram fruto de especulação: ela mesma deu declarações contra pessoas transexuais publicamente. E isso não é um caso isolado.

Rowling, que se diz TERF (sigla em inglês para “feminista trans excludente”), usa de sua influência e da fortuna adquiria com a saga Harry Potter para atacar diretamente os direitos de pessoas trans. Em um dos casos mais absurdos – e que foi citado pela jornalista Carol Fitzpatrick em um fio completo sobre o assunto no Twitter -, a autora defendeu que cadeias femininas não devem receber detentas trans por apresentarem riscos para as mulheres cis que estão presas.

JK Rowling, criadora de Harry Potter

Imagem: Shutterstock

Essa é apenas uma das várias declarações dadas por Rowling quase que diariamente. Basta entrar em qualquer rede social dela para ver uma enxurrada de conteúdo do tipo, que fere não só os direitos das pessoas trans, mas que também indicam que ela não respeita o direito à vida de outras pessoas.

No ano passado, Rowling começou a atacar um projeto de lei da Escócia que ajudaria pessoas trans a atualizar seu nome e gênero nos documentos. Isso faz com que ela esteja ajudando a negar o direto à vida de diversas pessoas que não se identificam com o gênero que nasceram.

Em entrevista ao TecMasters, a jornalista Rebeca Pinho disparou: “JK Rowling é um ser humano digno de pena. Eu tenho dó dela. Ela é corrompida por um ódio, um sentimento tão ruim que acredito que ela seja só uma carcaça, essa mulher não deve ter nem mais alma”.

Rebeca Pinho é jornalista voltada para games e falou sobre Hogwarts Legacy

Imagem: Rebeca Pinho/Reprodução

Conversamos com Rebeca, jornalista com foco em videogames, para entender os impactos da saga em sua vida, e entender sua visão sobre todas as questões envolvendo a problemática autora da de Harry Potter.

Ela revela que nunca foi fã da saga, mas sabe que Rowling “criou um universo incrível e que fez muita gente se apaixonar”.

Por conta das declarações da autora, Rebeca disse que, no começo, “queria distância de tudo que envolve Harry Potter”.

“Não por não fazer meu tipo, mas por [causa do] ódio dela”, explica a jornalista. No entanto, com o passar do tempo e ao conversar com pessoas, Rebeca refletiu sobre tudo e concluiu: “não devemos responder ódio com mais ódio. Eu não odeio a JK Rowling e espero que ela mude algum dia”.

Boicote ao jogo

Hogwarts Legacy

Imagem: divulgação

Conforme o jogo foi ganhando forma após seu anúncio, muitos citaram boicotes ao conteúdo do game por conta das ideias defendidas pela autora. E isso se estende até hoje. Muitos veículos, canais e podcasts especializados em games se recusaram a criar qualquer conteúdo de Hogwarts Legacy, deixando-o cair no esquecimento.

Em outros casos, jogadores simplesmente deixaram de comprar o título como forma de mostrar aos desenvolvedores que não estão satisfeitos com mais um produto de Harry Potter chegando ao mercado.

Para ajudar essas pessoas que não vão jogar o game, Rebeca fez publicações em seu Twitter com jogos que possuem personagens LGBTQIAP+ e que podem ser uma alternativa ao universo criado pela autora transfóbica.

Mesmo sendo uma defensora dos diretos trans, Rebeca fala que amadureceu seu pensamento. “Eu vou jogar Hogwarts Legacy, sou uma jornalista de games e esse jogo pode concorrer ao GOTY (sigla para Game of the Year, ou seja, o jogo do ano)”, explica.

“Além do profissionalismo, eu acredito que transferir minha indignação com a autora a todos os outros profissionais envolvidos no projeto seria algo egoísta”. Mesmo assim, Rebeca afirma que a decisão “de jogar ou não é muito pessoal e todas [as escolhas] devem ser respeitadas”.

Para defender seu argumento, a jornalista fala sobre a ação de alguns streamers que estão jogando o game, como é o caso de Wanessa Wolf.

Wanessa prometeu doar todo o valor arrecadado durante a live de Hogwarts Legacy para instituições que abrigam e cuidam de pessoas trans. Com isso, em cerca de uma hora de transmissão, ela conseguiu R$ 15 mil em doações e se comprometeu a dar mais R$ 5 mil do próprio bolso, para ajudar duas casas de apoio.

Personagem trans em Hogwarts Legacy

Sirona Ryan - Hogwarts Legacy

Imagem: Reprodução

Ainda durante a entrevista com Rebeca, falamos sobre Sirona Ryan, vista como a primeira personagem trans do universo de Harry Potter – e que está presente em Hogwarts Legacy. Para ela, foi “claramente uma estratégia para aproximar a comunidade trans do jogo” – mesmo com as muitas problemáticas acerca da obra e sua autora.

Para entender isso, devemos ir um pouco mais a fundo nos nomes dos personagens de Harry Potter, pois JK Rowling tem um padrão para dar nome a suas criações. Ao que parece, ela pega características predominantes do personagem e usa isso para identificá-lo.

Exemplos disso incluem Severo Snape, que de fato era um professor exigente – ou severo; temos também Remo Lupin, em que, separando os nomes, temos Remo, mesmo nome presente na mitologia romana, de um dos gêmeos salvos por uma loba às margens do Rio Tibre, e Lupin, que parece vir de Lupus, que é lobo em latim.

As coisas começam a se complicar quando chegamos em Kingsley Shacklebolt, um auror do Ministério da Magia. O primeiro nome pode parecer inofensivo, mas, quando desmembramos o sobrenome, temos duas palavras bastante problemáticas.

Kingsley Shackebolt - Harry Potter

Imagem: Reprodução

Shackle, em tradução livre, seria “algema”. Ao pesquisar por essa definição, encontramos imagens de um tipo muito específico de algemas, usadas para prender escravos. Enquanto Bolt, aqui, se refere ao “parafuso” usado para prender essas algemas.

Vale lembrar que não estamos querendo dizer nada, apenas estamos apontando o padrão de nomenclatura usado por JK Rowling e que está presente em toda a sua obra.

Aplicando isso a Sirona Ryan, temos o prefixo Sir, que em inglês quer dizer Senhor, e o sobrenome Ryan, um nome masculino relativamente comum. No entanto, a coisa fica mais estranha quando pesquisamos por Sirona.

Sirona, na mitologia celta, é considerada a deusa da cura, que é representada por ovos, e uma cobra – algo bastante sugestivo e com um apelo até falocêntrico, eu diria. De novo, não quero afirmar nada aqui, mas, à primeira vista, parece algo pensado para ofender de qualquer maneira.

Sobre a personagem, Rebeca declara: “não quero acreditar que foi uma tentativa de deboche, mas é algo que precisa ser investigado e eu quero muito ouvir a equipe de produção do jogo”. Mesmo assim, ela reconhece que Sirona é um “marco na franquia”, que tem “sua primeira personagens trans na história”.

“Ódio não vence ódio”

Hogwarts Legacy

Imagem: TecMasters

O intuito deste texto é o de expor tudo que aconteceu no entorno do desenvolvimento de Hogwarts Legacy, em especial no que tange o ódio de uma autora por pessoas que já são marginalizadas, e como isso pode destruir vidas – principalmente considerando o poder e a influência de JK Rowling no universo literário.

Novamente, queremos deixar claro que não concordamos com as falas e atitudes de JK Rowling – e citamos tudo isso em nosso preview de Hogwarts Legacy. Ao mesmo tempo, assim como Rebeca, acreditamos que a decisão de jogar ou não é bastante pessoal, e “a palavra de ordem é respeito”.

O “ódio não vence ódio”, mas cabe entender toda a situação e pesar na balança se a sua nostalgia e/ou memória afetiva vale mais do que outras vidas. Especialmente no Brasil, região que se mantém há 13 anos no topo da lista de países que mais matam pessoas trans.

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