Em busca de entender melhor o mercado de live streaming, o TecMasters resolveu fazer um especial para analisar o sucesso da Twitch — a plataforma líder do setor —, as condições dos criadores de conteúdo no maior serviço do mundo, bem como a existência de outros players do segmento.

A primeira parte deste especial tratou de observar toda a trajetória da Twitch — desde sua concepção baseada na finada Justin.tv até a conquista do posto de maior serviço do setor —, bem como os motivos que fizeram toda essa estratégia vingar.

Inclusive, se perdeu a viagem no tempo para saber como a Twitch chegou onde chegou, segue o link:

Agora, é hora de observar como toda essa dominância também tem seus pontos negativos. Apesar de a plataforma de streaming proporcionar uma visibilidade ímpar para os criadores de conteúdo, algumas medidas recentes adotadas pela empresa têm dificultado a vida de streamers menores ou de médio porte.

Ainda há espaço para streamers na plataforma? A “profissão do futuro” virou “profissão do passado”? Talvez nem todas as respostas venham à tona, mas entender alguns pontos pode ser essencial na busca por algumas explicações.

Sim, a Twitch dá dinheiro

Dinheiro

Imagem: Alexander Mils/Unsplash

Em primeiro lugar — e talvez algo óbvio — é que, sim, trabalhar na Twitch dá dinheiro. Basta acompanhar a uma live de um dos grandes streamers da plataforma para ver a quantidade de dinheiro que circula o serviço, seja com doações, subscribes ou anúncios.

Mas se tudo fica mais fácil quando números são colocados na mesa, nada melhor que usá-los. Neste sentido, em outubro do ano passado, a plataforma de live streaming da Amazon sofreu um grande vazamento de dados, expondo não só informações delicadas como código-fonte e SDKs, como um relatório de pagamentos da companhia.

O leak em questão revelou que ao menos 81 influencers da plataforma receberam mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,1 milhões, em conversão direta) em pagamentos entre agosto de 2019 e outubro de 2021.

A lista incluiu criadores como “CriticalRole”, “xQcOW” e Jaryd Russell Lazar, por exemplo, mas também contemplou streamers brasileiros como Alan “Alanzoka” Ferreira, Alexandre “Gaules” Borba e outras figuras.

A Twitch não chegou a detalhar as informações vazadas, mas alguns streamers confirmaram à BBC que valores específicos divulgados estavam corretos.

É sempre bom lembrar que esses valores foram atribuídos a criadores gigantes da plataforma com públicos fidelizados e já estabelecidos e não chegam perto de streamers que acabaram de ingressar na profissão ou que ainda estão nos estágios iniciais.

Ainda assim, é uma prova: a Twitch dá dinheiro.

Como funciona a remuneração na Twitch?

Por falar em dinheiro, antes de falar da atual situação dos streamers é preciso saber quais são as formas de monetizar um canal no serviço. Segundo informações descritas no próprio site da empresa, a primeira forma para alcançar isso é tornando-se um afiliado da plataforma.

E para tornar-se um afiliado são necessários quatro requisitos:

  • pelo menos 500 minutos totais de transmissão nos últimos 30 dias;
  • pelo menos sete dias de transmissão exclusivos nos últimos 30 dias;
  • uma média de três espectadores simultâneos ou mais ao longo de 30 dias;
  • pelo menos 50 seguidores.

Após alcançar esse patamar, o streamer poderá monetizar o seu canal pela renda de subscribes (inscritos), bits (uma mercadoria virtual que os espectadores podem comprar e doar aos criadores) e anúncios (ads). Existem também as doações em dinheiro, mas elas não são associadas à Twitch.

Importante frisar que o pagamento a afiliados só é liberado pela plataforma caso o criador acumule US$ 100 (cerca de R$ 514, na cotação atual) no serviço.

Twitch

Imagem: Shutterstock/Ink Drop

Uma vez que os afiliados cumprirem mais requisitos da companhia — que envolvem ampla e engajada audiência/número de seguidores em outros serviços, diretrizes da comunidade e outras obrigações — eles podem “subir de cargo” e tornarem-se parceiros da plataforma.

É nesta prateleira que estão os grandes streamers. A forma de monetização é basicamente a mesma do que de afiliados? Até é. Mas o status naturalmente atrai mais viewers, possibilita mais recursos de personalização para a transmissão do streamer e consequentemente aumenta os lucros dos criadores.

A polêmica mudança de subs

Uma vez explicada a forma de remuneração da plataforma, é hora de falar de algumas medidas adotadas que têm prejudicado a vida de streamers. E, bem, nada melhor que introduzir o assunto falando da polêmica redução nos valores de subscribes adotado no Brasil.

Os subscribes nada mais são do que inscrições pagas pelos viewers para apoiar o criador de conteúdo. Como mencionado anteriormente, os subs estão entre as formas de monetização de um canal, além dos bits e da renda obtida com anúncios.

Até a metade de 2021, essa assinatura mensal de apoio custava R$ 22,99 aqui no Brasil. Mas em julho do mesmo ano, a Twitch divulgou os novos preços para as inscrições: R$ 7,90 — uma redução de quase 66%. Uma diminuição quase idêntica (em valores porcentuais) também foi vista em outros níveis de subs.

A justificativa foi de que uma análise do mercado brasileiro, levando-se em conta valores locais, foi um dos fatores para reduzir esse apoio. Se a ideia da plataforma era de atrair mais pessoas, até faz sentido, já que o “acesso” aos subs foi relativamente facilitado. Mas o problema está justamente do outro lado disso tudo.

A notícia já seria péssima se os streamers recebessem o valor integral dos subs. Mas isso não acontece. Aliás, de acordo com a revista digital Stiles Gaming, nesta modalidade mais básica de inscrição os criadores de conteúdo ficam com apenas R$ 2,50 dos R$ 7,99.

Para um grande streamer, com visibilidade e cheio de subs, isso pode não fazer diferença — já que o número de adesões pode preencher esse rombo. Mas para os pequenos e médios streamers que lutam para garantir uma base mínima de subs, isso significou perdas em torno de 60% na modalidade.

Uma das afetadas — que chegou a participar da primeira parte do nosso especial — foi a streamer Melissa “Seacaos” Munis. A criadora começou a streamar na Twitch em fevereiro de 2021 e, por azar do destino, acabou sendo impactada pela mudança logo no começo dessa trajetória.

Seacaos, streamer da Twitch

Streamer Melissa “Seacaos” Munis – Imagem: Arquivo pessoal

“A mudança de preços dos subs foi algo que me deixou sem reação de início. Se o valor para quem quer se inscrever é menor, com certeza o nosso pagamento também se tornaria mais baixo (e foi o que aconteceu). De início eu pensei que não iria conseguir mais atingir as metas, mas procurei outras formas de atrair uma quantidade maior de subs pro canal e outros apoios também”, contou a criadora ao TecMasters.

A Twitch até prometeu um pacote de compensação. Na época da mudança, a companhia informou que faria uma varredura média de ganhos dos últimes três meses e compensaria os criadores que apresentassem redução de lucros por um ano — com reduções de 25% desse auxílio a cada trimestre.

Não parece ter surtido tanto efeito assim. Até hoje é comum ver casos de streamers pequenos que não conseguem resgatar os lucros por não terem atingido a meta de US$ 100. Em outros casos, conciliar as streams com outras ocupações é a única alternativa.

Streamer

Aliar streams com outras ocupações é realidade de grande parte dos streamers de pequeno e médio porte – Imagem: Ellan Don/Unsplash

A situação para pequenos e médios criadores também ficou mais complicada após o fim do Boost Train, em abril deste ano. O funcionamento dele era relativamente simples: quanto mais inscrições (subs) ou doações de bits para um canal, maior a chance dele de aparecer na home da plataforma.

A ideia era justamente dar um impulso para streamers menores, mas o tiro saiu pela culatra. Diversos canais utilizaram do recurso para exibir pornografia e conteúdos NSFW. Seus viewers, engajados em promover a “trollagem”, doavam simplesmente para que esses conteúdos sensíveis aparecessem diretamente na home.

Diante disso, Twitch precisou desabilitar o recurso um mês após o lançamento do Boost Train. Algo necessário para manter a segurança da plataforma e da comunidade. Péssimo para os streamers menores.

Grandes streamers também na mira?

Basta ligar os pontos para ver como as condições para streamers de pequeno e médio porte ficaram bem mais complicadas. O problema é que os criadores do alto escalão — ou seja, os parceiros — também podem sentir um impacto maior nos lucros em um futuro próximo.

Isso porque há algumas semanas, a Bloomberg revelou (segundo fontes a par do assunto) que a Twitch pode estar planejando uma reorganização dos subs para essas celebridades mais famosas. A mudança reduziria o repasse dos lucros de subscribes de 70% para 50% aos grandes criadores.

As fontes disseram que essa iniciativa não está fechada e pode ser “abandonada” a qualquer momento. De todo modo, uma mudança desse nível envolvendo os maiores streamers da plataforma pode causar sérios problemas para a empresa, com risco de debandada.

Em compensação, esses mesmos streamers estariam liberados para fazer lives em outras plataformas concorrentes — como Facebook ou YouTube, por exemplo.

A Twitch não chegou a comentar o caso e, por ora, a ideia deve ser considerada apenas como especulação.

Há luz no fim do túnel?

É claro que as mudanças — e rumores de novas medidas — podem assustar quem esteja pensando em ingressar na plataforma. Mas há quem consiga enxergar algo de positivo nisso. Para o streamer Enrico Bianco Landi, por exemplo, a barreira de entrada subiu, mas isso deve ser positivo para os criadores focados em levar isso como profissão.

“Depois dessa mudança [de subscribes], acabou subindo a barreira de entrada. Antes, todo mundo fazia live, o que acabava trazendo ‘generalismo’ para a prática. Hoje em dia eu ainda enxergo potencial. Ficou muito mais difícil, mas pode ser bom, pois deixa só quem quer realmente quer fazer acontecer”, destacou o criador ao TecMasters.

Bianco Landi, streamer da Twitch

Streamer Enrico Bianco Landi – Imagem: Reprodução/BiancoLandi

Já Melissa, acredita que medidas para beneficiar streamers menores na plataforma seriam importantes para os creators.

“Eu acredito que existe um espaço bom pra melhorias na plataforma. Uma das medidas poderia ser mais incentivos para os streamers iniciantes e para os que já estão há mais tempo na plataforma. Para os viewers, acredito que poderia ter algo para os que acompanham o criador há bastante tempo, como um selo ao lado do nick”, apontou.

Mudanças em prol da comunidade são sempre bem-vindas. Mas a verdade é que tudo se torna mais complicado quando visibilidade, viewers e patrocínio se encontram concentrados em apenas um único lugar. E isso vale para qualquer segmento de qualquer profissão.

Ou seja, além de melhorias na plataforma de live streaming da Amazon, a chegada de novos players de mercado e o fortalecimento de outras plataformas (incluindo benefícios melhores) também seriam pontos interessantes que poderiam beneficiar a vida de criadores.

Mas falar das alternativas além da Twitch talvez seja papo para a nossa próxima (e última) parte deste especial.

O spoiler à la Tom Holland já deu uma prévia do que esperar para o desfecho dessa série. Interessados poderão acompanhar a última parte nesta sexta-feira (13) e aqui mesmo, no TecMasters.

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Rafael
13 de maio de 2022 08:40

Eu faço lives na twitch a mais de 1 ano e demorei 5 meses pra pegar afiliado, em julho desse ano faz 1 ano que peguei afiliado e foi logo na implementação dos novos valores, eu ainda não consegui pegar meu primeiro pagamento. Eles disseram que com o valor reduzido teríamos mais subs, mas isso só aumentou os números dos grandes, tenho amigos que fazem Live a 3-4 anos e sentiram somente a queda. Espero realmente que eles ajudem os menores para que um dia cheguem a ser um dos grandes, todo mundo sairia ganhando