Brasileiros que trabalham com games trazem um diferencial à indústria, seja com criatividade para pensar novos caminhos, seja pela bagagem cultural. Como mostramos na primeira história da nossa série sobre profissionais que trabalham com games no exterior, latino-americanos ainda são pouco representados, mas são cada vez mais buscados pela indústria e os brasileiros, em especial, se destacam pela capacidade de autodidatismo e inovação.

Se ainda não viu a primeira das três partes deste especial, o link segue abaixo. O próximo texto você pode ver em detalhes nesta sexta-feira (27) — mas damos um ~spoiler~ de leve: será sobre a relação entre a indústria dos games e a do entretenimento.

Arte, áudio e… blockchain?

O mundo dos games não é feito apenas de desenvolvedores, mas também de profissionais imaginativos e que estejam dispostos a se aventurar pelos mais variados caminhos. O trabalho com a parte artística, com o desenvolvimento de trilha sonora e também para criar a partir de novas tecnologias, como blockchain, são alguns dos caminhos trilhados por brasileiros no exterior.

É nesse contexto misto que encontramos as histórias de Matheus Oliveira, Carlos Estigarribia, Giovane Webster e Antonio Teoli. Começando por Oliveira, que trabalha como game artist na Rovio, a criadora do famoso game Angry Birds. Quando iniciou sua carreira de ilustrador de material didático e jogos educativos, ele sequer imaginava que um dia se mudaria para a Finlândia a trabalho.

Angry Birds

Imagem: Rovio

Já Carlos Estigarribia — conhecido como Estiga — é diretor na Wappier, em Portugal, e trabalha com o mercado de games blockchain. Desde 1996 ele sabia que queria trabalhar no setor de jogos e foi o dono de sua primeira empresa.

Giovane Webster, por sua vez, é designer de áudio sênior na Splash Damage (da franquia Gears of War), em Londres. Em uma mudança radical, ele saiu da área de técnico em mecânica para estudar jogos digitais no Rio Grande do Sul, antes de alcançar a carreira internacional.

Por fim, temos Antonio Teoli, que sempre soube que queria fazer a trilha dos games. Formou-se na primeira turma do curso de Design de Games de uma universidade brasileira e, atualmente, possui sua própria produtora: a Andromeda Sounds.

A companhia, inclusive, foi a responsável pela realização da sinfonia que celebrou os 30 anos do Sonic, com arranjos tocados pela Orquestra Sinfônica de Praga. A Sega também lançou o álbum para várias plataformas de streaming para comemorar as três décadas de existência desse personagem, que é um dos mais queridos dos games.

Brasileiros superaram desafios da pandemia no mercado de games

Quando se fala sobre trabalhar no exterior, há desafios inerentes — esperados ou não — à aventura (algo que já abordamos no primeiro texto deste especial). Mas, para além das barreiras de idioma e adaptação cultural, é preciso também entender o mercado de games profundamente e se destacar pela inovação.

No caso de Teoli, o destaque veio como forma de som: expatriado para os EUA com um visto específico para profissionais com “habilidades extraordinárias”, ele conseguiu a vez justamente por esse conhecimento específico de desenvolvimento de áudio para games e trilhas sonoras. Ele ainda viaja regularmente para o Brasil para cuidar de um projeto muito especial, The Amazonic, uma biblioteca de sons de povos indígenas da região Amazônica.

“Para quem for trabalhar com música e produção de áudio, é importante aprender as ferramentas [específicas], além de conhecer como é feito um jogo, qual o papel dos designers, dos diretores, entender como você pode fazer parte de toda essa estrutura”, conta.

Cultivar bons relacionamentos também é de bastante ajuda. “É importantíssimo que você desenvolva sua rede de contatos e conheça pessoas que possam trazer oportunidades”, complementa.

Construir relacionamentos também faz parte do pacote de “estratégias necessárias” de Matheus Oliveira. Além disso, ouvir feedbacks e manter o foco para não desistir. “Vários processos seletivos que participei não deram certo. Recebi negativas, mas os feedbacks foram super valiosos para desenvolver o meu portfólio e me candidatar a novas oportunidades”, conta.

A tentativa que deu certo acabou com o artista contratado pela Rovio. O processo de seleção aconteceu online e coincidiu com o surgimento da pandemia — crise que representou uma camada de desafio extra ao processo, mas nem de perto foi impeditivo para ele seguir com o objetivo de carreira.

“Nesses processos, a última etapa da entrevista engloba viajar para o país e conhecer o estúdio. No meu caso, aceitei e vim direto”, lembra. “Comecei a trabalhar no meio da pandemia, mas de casa”.

A ampliação da rede de contatos para abrir o leque de oportunidades na carreira também foi parte da estratégia de Estiga. “O cargo que tinha na empresa anterior não dependia de onde eu morasse e entendi que mudando para a Europa iria ampliar minha rede de contatos”, relembra.

O especialista conta que sempre trabalhou com empresas estrangeiras, mas acabou escolhendo Portugal como base principal. Foi justamente essa mudança de mentalidade que o fez chegar na Wappier, onde ele ficou responsável por tocar o desenvolvimento de negócios da empresa em território europeu.

Mais do que guiar um braço importante do negócio, ele também entrou de cabeça em um mercado inovador: o de jogos blockchain. Na Wappier, Estiga identifica empresas que participam do crescente mercado de games que utilizam a tecnologia, seja integrando NFTs ou itens digitais comercializáveis nos títulos, ou criptomoedas para compra de acessórios nos games.

“Nesta área, há grandes oportunidades de ajudar estúdios de games a lançarem jogos mais rapidamente usando a nossa tecnologia”, conta.

Para Estiga, observar a natureza multidisciplinar da área de games e se manter por dentro das novidades é um trunfo que poucos possuem, mas muitos deveriam investir. “A grande vantagem dessa indústria é que, independente da sua formação, sempre há oportunidades. Mesmo em carreiras que não associamos a games — como é o caso de economia, advocacia e outras —, existe espaço, visto que games são feitos por equipes multidisciplinares”, argumenta.

A recomendação é acompanhar veículos de notícias e negócios, além de podcasts sobre o assunto, indica o especialista que também possui um podcast próprio: o Abrindo o Jogo, sobre negócios em games, que ele desenvolve ao lado dos colegas Iuri Genovesi e Jairo Lopes.

Enquanto isso, Giovane está se readaptando ao modelo híbrido de trabalho com as medidas pós-pandemia do Reino Unido. Seu interesse por áudio e games fez com que ele trabalhasse desde o início de sua carreira nessa área, inclusive colaborando com Teoli. Atualmente, ele tem planos de influenciar ainda mais a produção de um game, do começo ao fim, na Splash Damage.

“É preciso manter o foco e insistir naquilo que se quer. Nada vem automaticamente. Não pode ficar sentado no sofá esperando que alguém ligue. Tem que participar de eventos, projetos, onde for possível demonstrar o trabalho”, conta. “A comunidade de áudio para games no Brasil já é bem grande, há presença no Discord, Facebook, sites, cursos e sempre é possível tirar dúvidas com especialistas”.

Brasileiros Splash Damage

Imagem: Splash Damage

Seja tendo um local no exterior como base ou optando por imigração e expatriação, os brasileiros que trabalham com games fora do Brasil tendem a se adaptar. A capacidade de se reinventar e estar aberto às tendências inovadoras no setor faz com que eles se diferenciem neste mercado concorrido. Este cenário é ainda mais verdadeiro na indústria de entretenimento em geral, como você poderá acompanhar na última parte do especial.

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